29 abril 2007

ARDSnetwork e a ventilação protetora em SARA- post#2

Implementação Clínica do Protocolo “ARDS

Network” Está Associada a Mortalidade

Hospitalar Reduzida Comparada a Controles

Históricos

Clinical implementation of the ARDS network protocol is

associated with reduced hospital mortality compared with

historical controls.

“Crit Care Med” 2005;33:925-929.

Kallet RH, Jasmer RM, Pittet JF “et al”.

RESUMO

avaliar o impacto de se implementar uma estratégia de ventilação

com volume corrente baixo sobre a mortalidade hospitalar de

pacientes com lesão pulmonar aguda ou síndrome da angústia respiratória

aguda (LPA/SARA).

retrospectivo, não controlado.

unidades de cuidados intensivos (UTI) de adultos médico-cirúrgica

e de trauma de hospital universitário.

total de 292 pacientes com LPA/SARA.

entre os anos de 2000 e 2003, 200 pacientes foram

identificados prospectivamente com LPA/SARA e foram ventilados com

o protocolo de volume corrente baixo do ARDS Network. Umgrupo controle

histórico de 92 pacientes com SARA tratada de forma tradicional

de 1998 a 1999 foi usado para comparação.

os pacientes tratados com o protocolo

ARDS Network tiveram mortalidade hospitalar reduzida quando compa-

rados aos controles históricos (32% versus 51%, respectivamente; p =

0,004). A regressão logística multivariada estimou uma razão de chances

de 0,32 IC95%, 0,17-0,59; p = 0,0003) para o risco de morte com

uso do protocolo ARDS Network. Os pacientes tratados pelo protocolo

tiveram menores volumes correntes (6,2±1,1 versus 9,8±1,5 ml/kg; p

<>versus 33,8 ± 8,9 cm H2O; p

<>

o uso do protocolo do ARDS Network para o manejo ventilatório

dos pacientes com LPA/SARA foi associado a menor mortalidade

em comparação com controles históricos recentes.

COMENTÁRIOS

O estudo do ARDS Network em mais de 800 pacientes com SARA

demonstrou que o uso de volumes correntes (Vt) de 6 ml/kg reduziu a

mortalidade em mais de 20% em comparação com o uso de Vt de 12

ml/kg.1 Dado o seu desenho e o grande número de pacientes avaliados,

houve grande controvérsia sobre o uso da ventilação com Vt de 6 ml/kg

como padrão em pacientes com LPA/SARA. Eichacker et al., em uma

extensa análise desse e de outros estudos (Quadro 10-1), sugerem que

a diferença se deva ao excesso de mortalidade no grupo de Vt alto (12

ml/kg) em comparação com Vts convencionais da época, em torno de 8

a 9 ml/kg.2 Em sua conclusão, recomendam limitar as pressões de platô

a 28 a 32 cmH2O.

Tanto o estudo de Kallet et al. como os que o precederam (Quadro

11-1) são importantes para esclarecer a melhor estratégia ventilatória

para prevenir a lesão induzida pela ventilação mecânica (ventilator induced

lung injury, VILI) em pacientes com LPA/SARA, nos quais é um fenômeno

inicialmente mecânico secundário às elevadas forças de tensão e

distensão (estresse/strain) a que está sujeito o citoesqueleto pulmonar.3,4

Clinicamente, a VILI se manifesta por diversas formas de barotrauma,

incluindo pneumotórax ou enfisema subcutâneo, e, na forma tardia,

por presença de bolhas ou cistos intraparenquimatosos. Esses pacientes

se tornam dependentes do ventilador e morrem em virtude da síndrome

da disfunção orgânica múltipla.

Hoje há maior clareza a respeito dos mecanismos fisiopatológicos

da VILI. Em primeiro lugar, o uso de volumes correntes elevados, maiores

que 10-12 ml/kg, em pacientes com SARA, é capaz de hiperdistender

e gerar tensão (estresse) sobre o parênquima pulmonar, produzindo

lesão ou retardando sua recuperação. Sobretudo, a abertura e o fechamento

cíclico de unidades alveolares instáveis também geram tensão

e estiramento (strain), especialmente na confluência de alvéolos

atelectásicos.5,6 Tanto a hiperdistensão como a lesão por abertura e fechamento

cíclico geram mediadores pró-inflamatórios, amplificando o

fenômeno inflamatório e levando à falência de órgãos e à morte.7 A

PEEP é capaz de proteger os pulmões da VILI, ao homogeneizar o

parênquima pulmonar, reduzir as consolidações e o estiramento das

unidades alveolares.

O estudo de Kallet et al. é o primeiro que replica os dados do ARDS

Network em uma população mais ampla, concluindo que seus dados

“fortemente sugerem que a estratégia de Vt baixo pode beneficiar

todos os pacientes com LPA/SARA”.8 Este é um estudo retrospectivo

comparado com um grupo controle histórico, o que lhe dá nível baixo

de evidência. Em segundo lugar, diferenças do nível de APACHE II assim

como maior mortalidade por sepse no grupo histórico podem estar

influindo na mortalidade global, mesmo excluídos os pacientes que

receberam drotrecogina alfa. Desse modo, as diferenças na mortalidade

entre os grupos podem se dever a diversas variáveis e não ser unicamente

explicadas pela redução do Vt. Assim, a controvérsia desse estudo

originou comentários editoriais com visões distintas.9,10

Em um dos editoriais, Deans et al. ampliam a análise do ARDS Network,

avaliando mais de 2.500 pacientes que não foram envolvidos nesse

estudo por razões técnicas.9 A mortalidade desse grupo foi próxima

a 30% e similar a dos pacientes com Vt de 6ml/kg. Novamente, se reafirma

a possibilidade de excesso de mortalidade com o uso de 12 ml/kg.

Entretanto as diferenças de mortalidade entre os grupos variaram marcadamente

com a mecânica respiratória dos pacientes. Desta forma,

naqueles com menor complacência pulmonar, o Vt 6 ml/kg reduziu a

mortalidade comparado a Vt 12 ml/kg (29% versus 42%), mas naqueles

com maior complacência Vt 6 ml/kg esteve associado a maior mortalidade

(37% versus 21%). Isso sugere que entre os pacientes com LPA/SARA

avaliados no ARDS Network, existem populações que se comportam de

forma diferente.

Desse modo, parece claro que a população de pacientes com

LPA/SARA é altamente heterogênea e que nem todos se beneficiam de

limitar o Vt a 6 ml/kg. Além disso, o impacto da PEEP é uma incógnita.11

Baseados nesses fatos, nos parece mais fisiológico ajustar a ventilação

de forma individual, considerando o potencial de recrutamento de cada

paciente, as forças de distensão pulmonar (idealmente pressão transpulmonar)

e a pressão de platô, e variáveis fisiológicas como PaCO2 e o

espaço morto.12 Isso nos permitirá cumprir o objetivo da ventilação

protetora: tratar suavemente os pulmões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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8. Kallet RH, Jasmer RM, Pittet JF et al. Clinical implementation of the

ARDS network protocol is associated with reduced hospital mortality

compared with historical controls. Crit Care Med 2005;33:925-929.

9. Deans KJ, Minneci PC, Cui X, Banks SM, Natanson C, Eichacker PQ.

Mechanical ventilation in ARDS: One size does not fit all. Crit Care Med

2005;33:1141-1143.

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syndrome. N Engl J Med 2004;351:327-336.

12. Gattinoni L, Caironi P, Carlesso E. How to ventilate patients with acute

lung injury and acute respiratory distress syndrome. Curr Opin Crit Care

2005;11:69-76.

Do Volume III da série ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA – ARTIGOS COMENTADOS

Editora Revinter , 2005

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