Implementação Clínica do Protocolo “ARDS
Network” Está Associada a Mortalidade
Hospitalar Reduzida Comparada a Controles
Históricos
Clinical implementation of the ARDS network protocol is
associated with reduced hospital mortality compared with
historical controls.
“Crit Care Med” 2005;33:925-929.
Kallet RH, Jasmer RM, Pittet JF “et al”.
RESUMO
avaliar o impacto de se implementar uma estratégia de ventilação
com volume corrente baixo sobre a mortalidade hospitalar de
pacientes com lesão pulmonar aguda ou síndrome da angústia respiratória
aguda (LPA/SARA).
retrospectivo, não controlado.
unidades de cuidados intensivos (UTI) de adultos médico-cirúrgica
e de trauma de hospital universitário.
total de 292 pacientes com LPA/SARA.
entre os anos de 2000 e 2003, 200 pacientes foram
identificados prospectivamente com LPA/SARA e foram ventilados com
o protocolo de volume corrente baixo do ARDS Network. Umgrupo controle
histórico de 92 pacientes com SARA tratada de forma tradicional
de 1998 a 1999 foi usado para comparação.
os pacientes tratados com o protocolo
ARDS Network tiveram mortalidade hospitalar reduzida quando compa-
rados aos controles históricos (32% versus 51%, respectivamente; p =
0,004). A regressão logística multivariada estimou uma razão de chances
de 0,32 IC95%, 0,17-0,59; p = 0,0003) para o risco de morte com
uso do protocolo ARDS Network. Os pacientes tratados pelo protocolo
tiveram menores volumes correntes (6,2±1,1 versus 9,8±1,5 ml/kg; p
<>versus 33,8 ± 8,9 cm H2O; p
<>
o uso do protocolo do ARDS Network para o manejo ventilatório
dos pacientes com LPA/SARA foi associado a menor mortalidade
em comparação com controles históricos recentes.
COMENTÁRIOS
O estudo do ARDS Network em mais de 800 pacientes com SARA
demonstrou que o uso de volumes correntes (Vt) de 6 ml/kg reduziu a
mortalidade em mais de 20% em comparação com o uso de Vt de 12
ml/kg.1 Dado o seu desenho e o grande número de pacientes avaliados,
houve grande controvérsia sobre o uso da ventilação com Vt de 6 ml/kg
como padrão em pacientes com LPA/SARA. Eichacker et al., em uma
extensa análise desse e de outros estudos (Quadro 10-1), sugerem que
a diferença se deva ao excesso de mortalidade no grupo de Vt alto (12
ml/kg) em comparação com Vts convencionais da época, em torno de 8
a 9 ml/kg.2 Em sua conclusão, recomendam limitar as pressões de platô
a 28 a 32 cmH2O.
Tanto o estudo de Kallet et al. como os que o precederam (Quadro
11-1) são importantes para esclarecer a melhor estratégia ventilatória
para prevenir a lesão induzida pela ventilação mecânica (ventilator induced
lung injury, VILI) em pacientes com LPA/SARA, nos quais é um fenômeno
inicialmente mecânico secundário às elevadas forças de tensão e
distensão (estresse/strain) a que está sujeito o citoesqueleto pulmonar.3,4
Clinicamente, a VILI se manifesta por diversas formas de barotrauma,
incluindo pneumotórax ou enfisema subcutâneo, e, na forma tardia,
por presença de bolhas ou cistos intraparenquimatosos. Esses pacientes
se tornam dependentes do ventilador e morrem em virtude da síndrome
da disfunção orgânica múltipla.
Hoje há maior clareza a respeito dos mecanismos fisiopatológicos
da VILI. Em primeiro lugar, o uso de volumes correntes elevados, maiores
que 10-12 ml/kg, em pacientes com SARA, é capaz de hiperdistender
e gerar tensão (estresse) sobre o parênquima pulmonar, produzindo
lesão ou retardando sua recuperação. Sobretudo, a abertura e o fechamento
cíclico de unidades alveolares instáveis também geram tensão
e estiramento (strain), especialmente na confluência de alvéolos
atelectásicos.5,6 Tanto a hiperdistensão como a lesão por abertura e fechamento
cíclico geram mediadores pró-inflamatórios, amplificando o
fenômeno inflamatório e levando à falência de órgãos e à morte.7 A
PEEP é capaz de proteger os pulmões da VILI, ao homogeneizar o
parênquima pulmonar, reduzir as consolidações e o estiramento das
unidades alveolares.
O estudo de Kallet et al. é o primeiro que replica os dados do ARDS
Network em uma população mais ampla, concluindo que seus dados
“fortemente sugerem que a estratégia de Vt baixo pode beneficiar
todos os pacientes com LPA/SARA”.8 Este é um estudo retrospectivo
comparado com um grupo controle histórico, o que lhe dá nível baixo
de evidência. Em segundo lugar, diferenças do nível de APACHE II assim
como maior mortalidade por sepse no grupo histórico podem estar
influindo na mortalidade global, mesmo excluídos os pacientes que
receberam drotrecogina alfa. Desse modo, as diferenças na mortalidade
entre os grupos podem se dever a diversas variáveis e não ser unicamente
explicadas pela redução do Vt. Assim, a controvérsia desse estudo
originou comentários editoriais com visões distintas.9,10
Em um dos editoriais, Deans et al. ampliam a análise do ARDS Network,
avaliando mais de 2.500 pacientes que não foram envolvidos nesse
estudo por razões técnicas.9 A mortalidade desse grupo foi próxima
a 30% e similar a dos pacientes com Vt de 6ml/kg. Novamente, se reafirma
a possibilidade de excesso de mortalidade com o uso de 12 ml/kg.
Entretanto as diferenças de mortalidade entre os grupos variaram marcadamente
com a mecânica respiratória dos pacientes. Desta forma,
naqueles com menor complacência pulmonar, o Vt 6 ml/kg reduziu a
mortalidade comparado a Vt 12 ml/kg (29% versus 42%), mas naqueles
com maior complacência Vt 6 ml/kg esteve associado a maior mortalidade
(37% versus 21%). Isso sugere que entre os pacientes com LPA/SARA
avaliados no ARDS Network, existem populações que se comportam de
forma diferente.
Desse modo, parece claro que a população de pacientes com
LPA/SARA é altamente heterogênea e que nem todos se beneficiam de
limitar o Vt a 6 ml/kg. Além disso, o impacto da PEEP é uma incógnita.11
Baseados nesses fatos, nos parece mais fisiológico ajustar a ventilação
de forma individual, considerando o potencial de recrutamento de cada
paciente, as forças de distensão pulmonar (idealmente pressão transpulmonar)
e a pressão de platô, e variáveis fisiológicas como PaCO2 e o
espaço morto.12 Isso nos permitirá cumprir o objetivo da ventilação
protetora: tratar suavemente os pulmões.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Ventilation with lower tidal volumes as compared with traditional tidal
volumes for acute lung injury and the acute respiratory distress
syndrome. The acute respiratory distress syndrome network.
Med 2000;342:1301-1308.
2. Eichacker PQ, Gerstenberger EP, Banks SM, Cui X, Natanson C.
Meta-analysis of acute lung injury and acute respiratory distress
syndrome trials testing low tidal volumes. Am J Respir Crit Care Med
2002;166:1510-1514.
3. Pinhu L, Whitehead T, Evans T, Griffiths M. Ventilator-associated lung
injury. Lancet 2003;361:332-340.
4. Gattinoni L, Carlesso E, Cadringher P, Valenza F, Vagginelli F, Chiumello
D. Physical and biological triggers of ventilator-induced lung injury and
its prevention. Eur Respir J 2003;47(Suppl):S15-S25.
5. Amato MB, Barbas CS, Medeiros DM et al. Effect of a
protective-ventilation strategy on mortality in the acute respiratory
distress syndrome. N Engl J Med 1998;338:347-354.
6. Ranieri VM, Suter PM, Tortorella C et al. Effect of mechanical ventilation
on inflammatory mediators in patients with acute respiratory distress
syndrome: a randomized controlled trial. JAMA 1999;282:54-61.
7. Slutsky AS,
ventilation a contributing factor? Am J Respir Crit Care Med
1998;157:1721-1725.
8. Kallet RH, Jasmer RM, Pittet JF et al. Clinical implementation of the
ARDS network protocol is associated with reduced hospital mortality
compared with historical controls. Crit Care Med 2005;33:925-929.
9. Deans KJ, Minneci PC, Cui X, Banks SM, Natanson C,
Mechanical ventilation in ARDS: One size does not fit all. Crit Care Med
2005;33:1141-1143.
10. Dellinger RP. Positive clinical impact of low tidal volume strategy. Crit
Care Med 2005;33:1143-1144.
11. Brower RG, Lanken PN, MacIntyre N et al. Higher versus lower positive
end-expiratory pressures in patients with the acute respiratory distress
syndrome. N Engl J Med 2004;351:327-336.
12. Gattinoni L, Caironi P, Carlesso E. How to ventilate patients with acute
lung injury and acute respiratory distress syndrome. Curr Opin Crit Care
2005;11:69-76.
Do Volume III da série ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA – ARTIGOS COMENTADOS
Editora Revinter , 2005
Sem comentários:
Enviar um comentário