30 março 2008

Estratégias de tratamento da SARA, não relacionadas à ventilação mecânica

Nonventilatory Interventions in the Acute Respiratory Distress Syndrome
Kevin M. Schuster, Reginald Alouidor, Erik S. Barquist
J Intensive Care Med 2008; 23; 19

Este artigo é uma boa revisão sobre as principais evidências das estratégias para tratamento da SARA, com exceção da ventilação mecânica. Aí vai um resumo das recomendações dos autores:

1. Balanço hídrico - baseado em estudos que avaliam a restrição hídrica (ARDS Network 2006), uma estratégia conservadora (tentando equilibrar ou negativar o BH) parece ser benéfica nos pacientes com SARA primária (principalmente doentes clínicos). Pacientes cirúrgicos (pequena parte daquele estudo) apresentam drenos e perdas hídricas insensíveis maiores e portanto, não parece haver boa evidência para a aplicação da mesma estratégia. Cateter de Swan-Ganz não parece ajudar o manejo destes pacientes (na minha opinião, somente aqueles com disfunção renal e cardíaca podem se beneficiar de monitorização mais detalhada).

2. Surfactante exógeno - também baseados em estudos de 1 grupo no Blue Journal e na NEJM (2003-2004), o uso de surfactante parece apenas melhorar temporariamente a oxigenação. Parâmetros inflamatórios, como a IL-6 no BAL, também foram reduzidas com seu uso. O efeito na oxigenação é perdido após 48 horas.

3. Óxido nítrico (NO) - o racional para o uso de NO é muito interessante: pode melhorar a oxigenação em pacientes com P/F em níveis críticos, reduzir o desequilíbrio de ventilação/perfusão e também a pressão arterial pulmonar (que está usualmente elevada na SARA). As evidências apontam para benefício do uso de NO a curto prazo (24-48 horas), provavelmente como ponte para outra terapia (como ECMO). O custo nos EEUU é de U$ 3.000 por dia.

4. Prostaglandinas e Tromboxane Sintase - efeitos incertos

5. Curare - racional para uso: redução do consumo de O2 pela musculatura respiratória, facilitar o acoplamento paciente-ventilador e aumentar a complacencia torácica. Os estudos demonstram benefício na oxigenação e possibilidade de redução da PEEP. No entanto, devido aos riscos associados ao uso de curare (neuropatias, íleo, etc.), não deve haver pressa para usar curare, a não ser que o paciente tenha troca gasosa muito reduzida e a interação com o ventilador esteja assincrônica.

6. Posição prona - todo mundo quer fazer, mas sabe que é difícil no paciente adulto. A saber, os intensivistas pediátricos usam bastante, já quando a P/F é menor que 150-200, pois as crianças menores são fáceis de virar e desvirar. O problema ao meu ver é a trabalheira que dá virar com segurança o paciente. Se chegasse aqui no Brasil uma maca giratória, usaríamos mais frequentemente. Mas, vamos às evidências: sempre existe benefício transitório na oxigenação. Ele varia entre poucas horas a alguns dias. Trabalhos como Gattinoni (NEJM 2001), Mancebo (ICM 2003) e Guérin (JAMA 2004) sugerem melhora transitória na P/F e alguma pequena diferença na mortalidade (apenas Mancebo, que foi interrompido precocemente, sem motivos adequados). Existe até pequena redução na incidência de VAP. Os autores do artigo não recomendam prona (e até falam da cama rotacional) para resgate de pacientes muito graves. E ainda falam que provavelmente a prona nunca será indicada pela falta de estudos de larga escala (pessimistas).

7. Corticóides - a história resumida na sepse e na SARA é abordada. Eles mencionam Bone, Sprung, Bernard (da década de 80) até Meduri (aquele que recomenda 1-2 mg/kg/dia de metilprednisolona por 1 mês) e ARDS Network (NEJM 2006). Problema de todos os estudos: doses altas e tardias. Como vimos a Patricia Rocco falar no ano passado, a fibrose ocorre quase conjuntamente com o início do processo inflamatório pulmonar. Logo, o corticóide deveria ser feito precocemente também. Estudos em pneumonia comunitária grave apontam para resolução mais rápida com o uso de corticóide sistêmico. Uma meta-análise recente (Meduri, Chest) mostra benefício, mas ele é suspeito para defender a estratégia.

8. Beta2-agonistas - estudo recente no Blue Journal (BALTI, 2006) demonstrou que salbutamol IV reduz pressões inspiratórias e água extracelular pulmonar. Mas causa mais arritmias também (26 vs 10%). Outros artigos falam que parece diminuir o extravasamento de plasma/proteína no espaço alveolar. Enfim, não parece ruim fazer a droga inalatória como adjuvante; os autores do artigo se mostram otimistas com os beta-agonistas.


PS - acabo de ver artigo na NEJM desta semana mostrando a atrofia diafragmática por desuso após 1-3 dias de ventilação invasiva; portanto o uso de curare deve ser mantido SOS.

1 comentário:

  1. Publiquei isso no CHHEST ano passado (edição de setembro) e acho que ilustra bem minha visão da questão esteróide.

    “Methylprednisolone Infusion in Early Severe ARDS : It is pretty, but is it art ?”


    Jorge I. F. Salluh, MD, MSc 1
    Marcio Soares, MD, PhD 1


    1-Intensive Care Unit ,Instituto Nacional de Câncer – INCA; Rio de Janeiro – RJ; Brazil;


    Dear editor:

    Despite the recent advances in the care of critically ill patients 1, ARDS is still a clinical condition associated with exceedingly high mortality rates. In this clinical scenario, while most interventions to date have focused on the prevention of morbidity as ventilator-induced lung injury and pneumonia, no therapeutic intervention is indisputably associated with improved outcomes.
    Corticosteroids have been used for the treatment of ARDS in the last 20 years; however its benefits are still unproven 2. Discrepancy of results from clinical trials may be explained by different doses and duration of administration, as well as patient selection and an excess of morbidity imposed by steroid-related side effects. However, the recent study by Meduri and co-workers 3 sheds some new light into the ARDS pharmacotherapy territory by demonstrating clinical improvement based on possible immunomodulatory effects of the steroid infusion, thus hastening the resolution of lung injury and organ failures. Common aspects among all studies in which the benefits of steroids were present 3,4 were the use of relatively lower doses, early infusion and a selection of a extremely severely ill population. Still the limitations of these “successful” prospective studies are also similar and the foremost one is a small sample size with limited power for the detection of important outcomes (eg.hospital mortality) that precludes the generalization of the results. Furthermore, these results must be viewed with caution as the morbidity burden associated with corticosteroids cannot be underestimated and recent large multicenter clinical trials failed to show any significant improvement in the outcomes of patients with ARDS 5 and severe sepsis (as disclosed of the results of the Corticus study).
    In conclusion, we believe that at the present moment corticosteroids can not be widely recommended for critically ill patients. Although Dr. Meduri’s results 3are promising a prospective multicenter trial is absolutely necessary before corticosteroids can be routinely recommended for the treatment of severe ARDS.

    References:


    1 Vincent JL. Evidence-based medicine in the ICU: important advances and limitations. Chest 2004; 126:592-600
    2 Calfee CS, Matthay MA. Nonventilatory treatments for acute lung injury and ARDS. Chest 2007; 131:913-920
    3 Meduri GU, Golden E, Freire AX, et al. Methylprednisolone Infusion in Early Severe ARDS*Results of a Randomized Controlled Trial. Chest 2007; 131:954-963
    4 Annane D, Sebille V, Bellissant E. Effect of low doses of corticosteroids in septic shock patients with or without early acute respiratory distress syndrome. Crit Care Med 2006; 34:22-30
    5 Steinberg KP, Hudson LD, Goodman RB, et al. Efficacy and safety of corticosteroids for persistent acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med 2006; 354:1671-1684

    ResponderEliminar

Transfusão de hemácias na UTI: após 20 anos

  Título: Red Blood Cell Transfusion in the Intensive Care Unit. Autores: Raasveld SJ, Bruin S, Reuland MC, et al for the InPUT Study Group....