01 dezembro 2013

O declínio do cateter de Swan-Ganz coincide com uma queda da Medicina Intensiva ?

"Understanding chances in established practice: pulmonary artery catheter use in critically ill patients". Gershengorn HB, Wunsch H. Crit Care Med 2013; Dec.

Há pouco mais de 40 anos foi descrito o 1o uso do cateter de Swan-Ganz, em um curto artigo na New England Journal of Medicine. Naquela época, os 2 inventores revolucionaram a monitoração hemodinâmica, com um cateter capaz de passar do ventrículo direito para a artéria pulmonar e estimar a pressão de enchimento de cavidades esquerdas com um balão na ponta do cateter. A chamada pressão de oclusão de artéria pulmonar era estimativa bem fiel de pressão de átrio esquerdo e diastolica final de VE, desde que não houvesse hipertensão arterial pulmonar significativa.

O uso do cateter marcou a diferenciação entre a clínica de pacientes graves e algo específico para a Medicina Intensiva. Diferenciou médicos que passavam pelo CTI daqueles que realmente se esforçavam para entender a fisiologia cardiopulmonar dos pacientes com choque, SARA, insuficiência renal ou sepse grave.

Tudo ia bem até 1995, quando um grande estudo de Gattinoni, também publicado na NEJM, mostrou que buscar índices cardíacos elevados, mais do que era considerado normal, aumentava a mortalidade. Depois Connors publicou outro artigo que associava o cateter à maior mortalidade em pacientes graves (JAMA 1996). A comunidade começava a se perguntar o que estava acontecendo com o cateter, que tanto parecia ajudar o manuseio de balanço hídrico e aminas nos pacientes com choque. Até o PAC trial (Lancet 2006), quando o cateter foi mais uma vez envolvido na avaliação de mortalidade, e não demonstrou benefício.

Neste meio tempo, Gershengorn e Wunsch analisaram dados do projeto IMPACT, com informações de UTIs americanas desde 2001. Houve grande declínio no uso de Swan-Ganz entre 2001 e 2008. Este declínio aconteceu em todos os tipos de UTI, seja clínica ou cirúrgica ou mista. Não houve diferença de uso entre pacientes mais novos ou idosos, raça, convênio de saúde ou categorias diagnosticas. Pacientes cirúrgicos foram os que mais receberam o cateter, mas também houve declínio neste grupo. Médicos mais experientes, divididos entre formados antes de 1980, entre 1980 e 1989 e depois de 1989, também diminuíram o uso do cateter da mesma maneira que os mais novos no período entre 2001 e 2008.

O uso do cateter caiu de 10% dos pacientes nas UTIs em 2001 para 4% em 2008. Mesmo pacientes com necessidade de aminas que recebiam cateter em 15% das internações em 2001, receberam menos o cateter em 2008 (5%). A análise multivariada mostrou que mais idosos, em pós-operatório, com diagnóstico cardiovascular ou sepse e falência de múltiplos órgãos tinham maior chance de serem monitorados com o cateter de Swan-Ganz.

Finalmente, fica a dúvida do editorial escrito por Shorr: este declínio seria por conta de menor necessidade, ou outra monitoração invasiva ? Pelo que observo, acho que não é por nenhum dos 2 motivos. Acho que se monitoriza menos os pacientes. Dá certo na maioria das vezes, mas o paciente mais grave, que necessita maior entendimento da sua fisiologia, é prejudicado. Embora outras técnicas de monitorização sejam possíveis, como Vigileo, LIDCO, PICCO, ultra-sonografia transesofagica, elas também não são usadas como troca ao cateter de Swan-Ganz. Há necessidade de realizar estudos que avaliem a monitoração dos pacientes mais graves, até porque posso estar falando algo que não é verdadeiro. Mas, pra terminar: temo que voltemos à pré-história das UTIs, com pacientes graves usando mesma tecnologia que pacientes que não estão graves. Pra isso, basta deixar o paciente numa enfermaria, com boa enfermagem e acesso ocasional a um bom médico. O aumento de leitos de UTI não foi acompanhado do aumento de médicos intensivistas. Afinal, nos Estados Unidos e no Brasil, menos de 50% das UTIs têm chefes com título de especialista. Por esta razão, todas as observações que se fazem ao fracasso de tecnologias como Swan-Ganz e outras podem ser falsas, já que elas simplesmente podem estar sendo usadas de modo errado. Muito cuidado na interpretação deste tipo de artigo. Tempos difíceis...

André Japiassú

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