29 agosto 2015

Muitas decisões: o que o dia-a-dia de intensivistas tem a ver com Obama ?

"An observational study of decision making by medical intensivists". McKenzie MS, Auriemma CL, Olenik J et al, Crit Care Med 2015(8):1660-8.

Em outubro de 2012, o presidente Barack Obama deu uma longa entrevista à revista Vanity Fair, na qual revelou um pouco do seu dia-a-dia. Entre seus costumes, adiantar tarefas do dia na noite anterior e limitar o número de decisões foram os que mais reperticutiram, incluindo o conjunto monótono de ternos, sempre azuis escuros ou pretos. Por quê ? Porque se sabe que o ser humano é ábil para tomar poucas decisões por dia; geralmente são 3-4 decisões importantes, de forma plena. E as outras decisões ? Tomara que sejam adiadas ou tenha sorte.

Referência: http://www.vanityfair.com/news/2012/10/michael-lewis-profile-barack-obama


E o que isso tem a ver com a Medicina Intensiva ? Aposto que você que já leu até aqui já tenha imaginado. Mas não custa ficar claro: os intensivistas tomam várias decisões durante o turno de trabalho na UTI. Entre elas: pedir exames, decidir altas, comunicar-se com a equipe e com famílias, discutir casos com outros médicos, prescrever ou suspender medicações, etc. O intensivista é capaz de tomar quantas decisões por dia ? O que influencia estas decisões ?

McKenzie e colaboradores fizeram um estudo interessante sobre o assunto, durante quase 6 meses: 3 pesquisadores observaram rounds feitos por 17 intensivistas durante 80 dias. Eles selecionaram 4-5 dias de cada 1 dos intensivistas e classificaram as decisões em 18 categorias, com 126 itens no total. Eles também mediram a gravidade dos pacientes e o turnover de pacientes durante o dia, a fim de saber se havia influências nas decisões dos intensivistas.

Qualquer decisão individual ou da equipe era atribuída em última análise ao médico intensivista, porque a responsabilidade legal recai sobre ele fundamentalmente. As decisões ou ordens podiam ser escritas ou verbais. Também se anotou o tempo de round, presença da família durante o round e pedidos dos pacientes (quando lúcidos). As categorias selecionadas foram: pareceres de especialidades, decisão de reanimação, exames laboratoriais ou de imagem, transferências, conferência familiar, transfusão, manuseio hemodinâmico ou ventilatório, medicações, suporte nutricional, cuidados de enfermagem e terapia substitutiva renal.

Os médicos tinham em média 40 anos, 76% eram homens, 6 anos após completar residência em Meicina Intensiva. Os pacientes tinham média de 62 anos, APACHE III 75 pontos, tempo de permanência na UTI 3,4 dias e mortalidade hospitalar 20%.

A maior parte das decisões foram relacionadas a medicações (36%), história do paciente (10%), laboratório, hemodinâmica e ventilação (7%-8%), suporte nutricional, procedimentos e exames de imagem (5%). Em média, o intensivista toma 102 decisões por dia; rounds duraram quase 4 horas; haviam 11 pacientes no setor por dia; e o turnover era de 2 pacientes por dia. Houve grande variação do número de decisões conforme cada intensivista: variação do coeficiente de decisões 0,56 a 6,23 toamdno como referência o intensvista de número 1. Os autores dividiram as decisões em alto e baixo impacto, por exemplo procedimentos e decisões sobre fim-de-vida ou exames laboratoriais e ajuste de medicações respectivamente. Apenas 12% eram decisões de alto impacto.

Alguns aspectos foram mais interessantes ainda:
1. Há mais decisões quando mais pacientes estão presentes no setor, mas a gravidade dos pacientes não se associou com gravidade pelo APACHE III.
2. Intensivistas mulheres tomam mais decisões que homens.
3. A presença de familiares influencia pouco o número de decisões (média 0,6 decisão a mais).
4. O número de decisões reduz com mais anos de experiência.
5. A presença de intensivista no plantão noturno não influenciou o número de decisões por paciente ou por dia.

Não consigo concluir muitas coisas deste estudo, porém fico impressionado com o número de decisões diárias por paciente (cerca de 10) e a grande variação dependente de cada intensivista. Não deixa de ser interessante que toma-se menos decisões com maior idade (talvez maturidade).
Talvez os 2 costumes de Obama revelados na Vanity Fair poderiam ser exemplos para nós: preparar para o dia seguinte (fazer valer a presença do intensivista à noite) e limitar o número de decisões por dia, para ser capaz de tomar as mais importantes com a cabeça fresca.




André Japiassú

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