29 abril 2007

ARDSnetwork e a ventilação protetora em SARA- post#1

Meta-análise de ensaios clínicos sobre o uso de baixos volumes corrrentes (BVC) em lesão pulmonar aguda (LPA) e síndrome de angústia respiratória aguda (SARA)

Eichacker PQ, Gerstenberger EP, Banks SM, Cui X and Natanson C. Meta-analysis of acute lung injury and acute respiratory distress syndrome trials testing low tidal volumes. Am J Respir Crit Care Med 2002; 166:1510-1514.

Introdução:

O uso de volume corrente (VC) baixo (5 a 7ml/kg) tem sido recomendado em LPA/SARA como estratégia ventilatória protetora. Os artigos que estudaram o tema não mostraram resultados uniformes. Os autores desta meta-análise avaliaram que existem problemas com os grupos controles destes ensaios clínicos, especialmente em relação ao uso de VC maiores que os rotineiramente usados (³ 10ml/kg vs. 8-9ml/kg). Os autores realizaram esta meta-análise para testar esta hipótese, investigando também a relação entre volumes correntes e pressão de plateau (PP).

Métodos e resultados

Foram selecionados cinco ensaios clínicos randomizados, entre 1999 e 2001, onde foi estudada a relação entre baixo VC e mortalidade.1-5 Pela heterogeneidade dos trabalhos, não foi possível chegar a uma estimativa única e a análise foi feita dividindo os artigos em dois grupos, o primeiro com resultados favoráveis e significativos1,2 e o segundo com resultados desfavoráveis, porém não significativos.3-5

Para explorar as diferenças entre estes dois resultados, os autores compararam os VC e as PP utilizadas nos trabalhos, uma vez que foram empregados diferentes métodos de cálculo do VC.

Avaliando os grupos que receberam intervenção, foi observada diferença pequena e não-significativa quanto ao VC empregado nos estudos favoráveis (± 6 ml/kg) e nos desfavoráveis (±7 ml/kg). A PP variou de 22 a 28 cm H2O. Quanto aos grupos controles, nos dois trabalhos favoráveis o VC e a PP foram maiores que nos dos trabalhos desfavoráveis (12ml/kg vs.10ml/kg e 34-37 cm H2O vs. 28-32 cm H2O).

Os autores também observaram que as PP em todos os trabalhos, na fase pré-randomização estavam dentro dos valores recomendados (29 a 31 cm H2O).

Discussão

Esta meta-análise apontou para problemas metodológicos na realização dos ensaios clínicos, com importantes diferenças nas pressões respiratórias dos grupos controles pós-randomização.

Os três ensaios com resultados desfavoráveis usaram nos grupos controles VC consistentes com a rotina preconizada à época dos estudos (8 a 9 ml/kg). Nestes estudos, os grupos de intervenção – em regime de baixo VC – quando comparados aos controles, não mostraram melhora da sobrevivência. Embora os resultados fossem não-significativos, houve maior mortalidade nos pacientes que receberam baixo volume.

Os dois estudos com resultados favoráveis, por sua vez, compararam grupos sob intervenção – baixo VC – com grupos controles submetidos a volumes aumentados (12 ml/kg) e pressões respiratórias em torno de 34 a 37 cm H2O (níveis acima do recomendado – 29 a 31 cm H2O). Neste caso pode ter se criado uma diferença artificialmente favorável para os grupos de intervenção, já que a mortalidade nos controles foi elevada. Embora significativos, os resultados podem não ser válidos.

Baseado nesta meta-análise, os autores propõem uma relação parabólica entre a PP resultante do VC aplicado e a mortalidade, sugerindo que valores extremos (muito baixos ou muito altos) de VC podem estar associados com a mortalidade. Apóiam esta observação nos estudos em animais, nos quais há aumento de mortalidade quando ventilados com volumes e pressões superiores às recomendações atuais. Também lembram que o emprego de sedação e bloqueio neuro-muscular para ventilar com baixo VC pode estar relacionado com o aumento da morbi-mortalidade.

Como limitação importante da própria meta-análise, os autores apontam o número pequeno de estudos e de pacientes recrutados em cada um deles, com exceção do ARDS-Net trial. Este estudo é também o mais recente e o que encontrou menor mortalidade, tanto no grupo sob intervenção quanto nos controles. Ainda assim, os autores o consideram problemático, por ter usado valores maiores que o recomendado nos controles.

Conclusão

Os autores concluem que nenhum dos artigos fornece evidência científica suficiente para recomendar o uso rotineiro de baixos volumes correntes. Desta forma, propõem que ensaios clínicos mais cuidadosos, comparando baixos volumes com volumes intermediários utilizados rotineiramente, sejam realizados, trazendo maiores informações sobre os verdadeiros benefícios e danos destas formas de ventilação.

Comentários

Apesar de se intitular uma meta-análise, os autores se restringiram a uma revisão crítica de artigos sobre o tema proposto. Justifica-se pela grande heterogeneidade dos ensaios clínicos. Contudo, os autores se detiveram em apenas uma dos aspectos que poderiam explicar esta heterogeneidade: a utilização de volumes correntes mais elevados nos grupos controles dos trabalhos que mostraram resultados favoráveis. Não valorizaram outras fontes de heterogeneidade, tais como: métodos de randomização, formas de cálculo de peso, diferenças de gravidade dos pacientes (APACHE e PaO2/FiO2) e métodos de escolha da PEEP.

A principal defesa baseia-se no fato dos artigos com resultados favoráveis terem usado nos grupos controle valores de volume corrente acima do rotineiramente empregado e pressões de plateau superiores às recomendações da Conferência de Consenso em SARA.6

O primeiro artigo com resultados favoráveis apresenta significativa diferença pós-randomização em relação ao APACHE II , que se mostrou mais elevado no grupo controle.1 Também havia diferença na forma como foi empregada a PEEP em cada grupo, caracterizando uma outra intervenção além do baixo volume corrente. Estas diferenças podem ter contribuído para a alta mortalidade no grupo controle e a baixa mortalidade no grupo de intervenção.

O artigo do ARDS-Net apresenta apenas a intervenção do volume corrente e uma maior homogeneidade entre os grupos pós-randomização, podendo ser questionado exclusivamente quanto ao volume corrente empregado no grupo controle.2 Mesmo assim, encontra-se uma mortalidade no grupo controle não superior à média habitual, sugerindo um resultado consistente quanto à queda da mortalidade no grupo da intervenção.

Por fim, a afirmativa empregada neste trabalho de que volumes correntes superiores a 10 ml/kg não são prática rotineira sofreu muitas críticas de outros autores em cartas posteriores.7,8

Este artigo mantém a controvérsia quanto à recomendação do uso de baixo volume corrente na SARA. Mas podemos afirmar que não se deve empregar volumes correntes elevados e altas pressões de plateau, assim como lembrar que melhores estudos quanto ao emprego da PEEP devem ser realizados.

Referências:

1. Amato MB, Barbas CS Medeiros DM e cols. Effect of a protective-ventilation strategy on mortality in the acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med 1998; 338:347-54.

2. Acute Respiratory Distress Syndrome Network. Ventilation with lower tidal volumes compared with traditional tidal volumes for acute lung injury and the acute respiratory syndrome. N Engl J Med 2000; 342:1301-8.

3. Stewart TE, Meade MO, Cook DJ e cols. Evaluation of a ventilation strategy to prevent barotrauma in patients at high risk for acute respiratory syndrome. N Engl J Med 1998; 338:355-61.

4. Brochard L, Roudot-Thoraval F, Roupie E e cols. Tidal volume reduction for prevention of ventilator-induce lung injury in acute respiratory distress syndrome. Multicenter Trial Group on Tidal Volume Reduction in ARDS. Am J Respir Crit Care Med 1998; 158:1831-38.

5. Brower RG, Shanholtz CB, Fessler HE e cols. Prospective, randomized, controlled clinical trial comparing traditional versus reduced tidal volume ventilation in acute respiratory distress syndrome patients. Crit Care Med 1999; 27:1492-8.

6. Artigas A, Bernard GR, Carlet J e cols. The American-European Consensus Conference on ARDS, Part 2. Am J Respir Crit Care Med 1998; 157:1332-47.

7. Carmichael LC. Tidal volumes in ARDS and meta-analysis. Am J Respir Crit Care Med 2003; 167:933.

8. Petty TL. Tidal volumes in ARDS and meta-analysis. Am J Respir Crit Care Med 2003; 167:933.


Do volume II da série Artigos Comentados
Editora Revinter, 2004

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