01 junho 2008

COMENTÁRIO SOBRE A ENQUETE DE ABRIL – TRANSFUSÃO DE CONCENTRADO DE HEMÁCIAS

Quase 60 anos depois que os anestesistas americanos JS Lundy e RC Adams estabeleceram o limiar de 10 g/dL para a transusão de concentrados de hemácias (CH), o estudo canadense TRIC trial publicado em 1999 sugeriu que este limiar fosse reduzido para 7 g/dL, exceto em pacientes com insuficiência coronariana aguda. A partir deste trabalho, os novos guidelines, incluindo o Surviving Sepsis Campaign (SSC), definiram que em pacientes que não estivessem sangrando ativamente, ou apresentassem insufuciência coronariana aguda ou sinas de hipoperfusão tecidual, o limiar seria 7 g/dL. Poucos anos depois, os estudos ABC trial na Europa e CRIT trial nos EUA mostraram, que na prática, europeus e americanos estavam utilizando o limiar 8,4 g/dL e 8,6 g/dL para transfundir CH nos seus pacientes, números intermediários entre o antigo limiar, estabelecido por Lundry e Adams, e o novo limiar, sugerido pelo estudo canadense. Mais recentemente, vários autores têm sugerido que cada paciente deva ser tratado individualmente e recomendam que os médicos utilizem um parâmetro fisiológico no lugar de um limiar arbitrário para transfusão de CH. Assim, os profissionais utilizariam os parâmetros fisiológicos para avaliar a perfusão tecidual que incluiria, além dos tradicionais pressão arterial, diurese e nível de consciência, parâmetros mais modernos como a concentração de lactato e a SVO2 e até os mais sofisticados, análise da microcirculação e saturação tecidual de O2. Recentemente, a Sociedade Francesa de Terapia Intensiva e algumas universidades americanas contemplaram esta idéia e elaboraram novos guidelines para a transfusão de CH estratificando os pacientes em diferentes grupos segundo o seus riscos de hipoperfusão tecidual. Assim, por exemplo, segundo o guideline da Sociedade Francesa, nos pacientes com idade superior a 65 anos, o limiar seria 8 g/dL enquanto que no guideline da Universidade de Stanford, nos pacientes com história de AVC isquêmico há menos de 6 meses, o limiar seria 10 g/dL. A nossa enquete perguntou qual o limiar que você utilizaria numa paciente de 80 anos com história de AVC isquêmico recente e que internou no CTI com uma pneumonia comunitária grave. Como o enunciado não informou sobre os parâmetros fisiológicos, assumimos que eles estariam dentro da normalidade. As alternativas apresentadas foram concentrações de hemoglobina de 7 g/dL, 8 g/dL, 9 g/dL e 10 g/dL. A melhor alternativa depende do guideline que você escolheu. Se considerarmos o trabalho canadense e o SSC, a resposta correta seria 7 g/dL. Segundo a Sociedade Francesa, a melhor opção seria 8 g/dL. De acordo com a Universidade de Stanford, a melhor resposta seria 10 g/dL. Na realidade, a grande maioria dos votos foram distribuídos quase que igualmente entre as alternativas 7,8 e 10 g/dL. Provavelmente estão todos certos. Aguardamos o seu comentário aqui no blog para prosseguirmos com esta discussão.

Flávio E. Nácul

2 comentários:

  1. Flávio,
    Tendo em conta o trabalho do Rivers, que coloca a hemotransfusão como ferramenta para ressuscitação do paciente com choque séptico, e o trabalho canadense, que preconiza a restrição de hemotransfusão, como vc manejaria (com relação ao uso de concentrado de hemácias) um paciente com choque séptico? Seguiria uma política mais liberal nas primeiras 24 horas e mais restritiva após?

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  2. O trabalho do Rivers, na minha opinião, avaliou mesmo foi reposiçãoo volemica precoce.

    Dobutamina e hemotransfusao foram utilizados num numero pequeno (e possivelmente não significativo) de pacientes e portanto desconhecemos o impacto destas medidas na sobrevida de pacientes com choque séptico na fase aguda. Em resumo essa hipotese não foi adequadamente testada no trial de Rivers et al
    Ou seja eu não reponho hemaceas ou faço dobutamina ...
    mas sou só eu falando...
    Jorge Salluh

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