Esse artigo foi publicado na revista The New Yorker em 2007. O autor começa com a descrição de uma criança de três anos que ficou submersa na água gelada dos Alpes por quase quarenta minutos, sendo resgatada em hipotermia grave e em estado desesperador - foi necessário reaquecimento meticuloso, circulação extracorpórea, monitorização da pressão intracraniana e diálise - e como estamos envolvidos em complexidade dentro da medicina intensiva sem nem ao menos nos darmos conta.
A cada dia, nos EUA, 90.000 pessoas estão internadas em terapia intensiva. Em média, 178 ações são realizadas em cada paciente por dia por médicos e enfermeiros. Se apenas 1% dessas ações for errônea, são cometidos 2 erros/paciente/dia. Em uma conta simples, podemos esperar 180000 erros/dia em pacientes de terapia intensiva nos EUA.
Em Outubro/1935 no Campo Aéreo Wright em Dayton, Ohio, houve um vôo de demonstração do modelo 299 da Boeing - que seria o B-17. A demonstração seria apenas figurativa, porque o avião era tão superior aos concorrentes que era certa a sua compra pelo exército dos EUA. Logo após a decolagem, o avião caiu, matando 2 dos 5 tripulantes, incluindo o piloto. Por que? Porque era tão complexo, tão cheio de comandos e ações, que tornou-se impossível para um piloto dar conta de todas essa complexidade dentro do avião. A Boeing quase foi a falência após esse episódio.
A partir disso, foi instituído um checklist com orientações padronizadas de decolagem, vôo e aterrissagem. Após o início do checklist, os pilotos puderam voar mais de 2.896.819 Km sem um único acidente.
Será que a medicina intensiva já não entrou na sua fase B-17? Quanta complexidade um profissional de saúde pode lidar sem causar erros? E sob pressão, cansaço, stress? Qual o grau de iatrogenia que estamos causando aos nossos pacientes por não adotar práticas padronizadas?
E, apenas para concluir, a menina vítima de hipotermia sobreviveu sem seqüelas - em grande parte, graças a adoção de um recém-instituído checklist para tratamento de pacientes vítimas de hipotermia grave.
Cássia Righy
Creio que não devemos opor a arte da medicina e a engenharia da medicina como frequentemente se faz nos Pro/con de congressos. Acho que há espaço para os dois.
ResponderEliminarCom os checklists aprendemos que não fazemos tão bem tudo que pensamos que fazemos no dia a dia. E que a sistematização deve ser incluida nos cuidados para que em cada etapa: estratificação de risco, prevenção, tratamento possamos ter maior aderência as medidas de processos convertendo evidência em prática.
Jorge Salluh
Jorge,
ResponderEliminarConcordo com você - também acho que há espaço tanto para a engenharia quanto para a arte da medicina.
Só não acho, e aí acho que vc concorda comigo, que devamos fazer a arte da medicina em todos os pacientes. O foco apenas na particularidade de cada paciente dá margem a questionamentos fúteis sobre diagnóstico e tratamento, quando, na verdade, a maioria dos doentes precisa mesmo é do feijão-com-arroz bem feito.
E também acho que os checklists, assim como os guidelines, não são um prisão e, sim, uma forma de facilitar a vida de todos - médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, enfim, toda a equipe de saúde e, obviamente, do paciente.
Digamos que...90% dos pacientes ou durante 90% do tempo de internação, os pacientes precisam de protocolos bem implementados e medidas de prevenção etc...
ResponderEliminarNos 10% (ou menos!) restantes o profissional de saúde ao lado do apciente faz a diferença. Vejamos, exemplos: é mais fácil Intubar do que fazer VNI, mas VNI pode reduzir a mortalidade de um numero significativo de pacientes (DPOC, IVE, dça pulmonar previa, imunodeprimidos). Mas se apenas colocarmos VNI como protocolo não poderemos reconhecer a falha , que por sua vez associa-se a mortalidade mais elevada que a IOT precoce.
Assim uma combinação de ambos é necessária.
O mais incrivel é que após este tempo todo chegamos a conclusão que as boas práticas clínicas de sempre (reposição de fluids, ATB precoce, evitar hipoxemia, VNI em DPOC, higiene oral, etc...) são as medidas que fazem grande diferença para a maioria dos pacientes.
já uma abordagem heróica e excepcional fica restrita a uns poucos pacientes.
é isso. Concordamos, né?
Jorge Salluh
Concordamos, certamente.
ResponderEliminarCássia Righy