08 agosto 2009

"Never events" - o Medicare está exagerando ?

Brown J, Doloresco F, Mylotte JM. "Never events: not every hospital-acquired infection is preventable". Clin Infectious Dis 2009; 49 (Sept 1); 743-746.

Em outubro de 2008 o Medicare decretou que não vai pagar/reembolsar os hospitais por alguns eventos considerados falta de qualidade:
1. objetos deixados dentro dos pacientes - cirurgia;
2. infecções do trato urinário adquiridos no hospital;
3. bacteremias nosocomiais;
4. transfusão de sangue incompatível;
5. embolia gasosa;
6. queda de pacientes do leito;
7. úlceras de pressão;
8. infecções de feridas operatórias (cirurgias limpas/profilaxia incorreta).

De certa maneira, eles elaboraram esta resolução em cima de evidências de acontecimentos que podem ser previnidos, como barreiras de proteção e controle farmacológico de agitação para pacientes que podem cair do leito. No entanto, o não-pagamento leva a prejuízo no curto prazo. Os gestores podem pensar que tem que aumentar a qualidade do serviço através de protocolos, mas o que eles vão ganhar com o incremento do pessoal e dos processos ? Apenas o pagamento das complicações inevitáveis ? É muito pouco. Não está se valorizando a boa qualidade, que deve ser incentivada e paga também.

O erro em favor da precaução pode prejudicar esta estratégia. Tomemos como exemplo a infecção do trato urinário (ITU). Os americanos estão coletando urinocultura de pacientes assintomáticos na admissão ao hospital, porque se houver colonização, eles tentam provar que a eventual ITU já era prévia à internação, e justificam o pagamento do tratamento. Mas os médicos também começaram a tratar pacientes assintomáticos e isto pode levar ao uso indiscriminado de antibióticos e resistência bacteriana.

Aliás, "never events" ou eventos que nunca devem ocorrer ou eventos totalmente previníveis realmente devem ser evitados, se possível. A transfusão incompatível ou a queda do leito até podem ser o caso, mas infecções nosocomiais são muito mais complexas que as simples profilaxias descritas na literatura.

Eventualmente ITU e bacteremias têm fisiopatologia mais complexa do que simplesmente a infecção do túnel dos cateteres. Bacteremias primárias por S aureus podem criar biofilmes em cateteres e a culturas destes podem falsamente apontar para mau cuidado no trato com o dispositivo.

Sou a favor de buscar taxas zeradas de infecções urinárias e de cateteres, mas alguns pacientes vão fugir do comum e as profilaxias, por melhor que sejam, vão falhar. Tem de haver incentivo pela boa qualidade; e é claro, remuneração para o bom hospital e o bom profissional, que traça e alcança metas.

Que paguem por qualidade, em vez de punir pela falta dela.

André

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