Saiu no Boletim Express da AMIB (Assoc de Med Intensiva Brasileira) que vai ser construído o primeiro hospital de Tratamento Intensivo do Brasil. Neste hospital, todos os leitos serão de UTI. O Hospital será ligado à Unifesp (São Paulo, capital) e espera-se atender pacientes com traumatismos graves.
A princípio, pensei ser um avanço para a nossa área. Um hospital onde todos os pacientes vão ficar monitorizados, acompanhados de enfermagem e fisioterapia, com atenção integral quase 100% do tempo, é realmente o ideal para o intensivista.
No entanto, isto também é ideal para o paciente e familiares ? E para a equipe de saúde ? Este tipo de design, só com leitos de UTI não pode tornar o ambiente hostil ? Onde se encontrará privacidade para o paciente ? São questões que os administradores e os responsáveis pela obra devem estar se fazendo neste momento de criação do hospital.
Vivemos em um tempo no qual os pacientes graves ficam mais "acordados" na UTI, mesmo em ventilação mecânica e com outros suportes para disfunção orgânica (interrupção de sedativos, Kress et al, NEJM 2000). Mas eles também permanecem sozinhos, sem familiares ao seu lado na maior parte do tempo, e se sentem desconfortáveis com dor, falta de privacidade e solidão (embora muitos de nós passemos várias vezes pelo leito ao longo do dia e noite). O modelo tradicional de UTI é aquele onde existe um grande salão, com mesa/painel de monitorização no centro, leitos e monitores ao redor, separados por paredes ou biombos ou cortinas, mas sem porta para isolamento/privacidade. A visita de familiares permanece restrita a um horário pequeno durante o dia (e à noite, não existe em vários hospitais). Certamente, alguns (poucos) hospitais já liberam a visitação de familiares sem limites, e avançam neste aspecto. Isto é temido por grande parte da equipe de saúde.
O modelo que me parece mais promissor é de leitos tipo "quarto". Portas para isolamento, janelas para o ambiente externo, música ambiente, poltronas e cadeiras para receber visitas, quadros e/ou ilustrações, TVs, rádios, etc. Os monitores e ventiladores (e outros métodos de suporte) devem se incorporar neste ambiente. A equipe de se integrar ao ambiente mais amigável também. Isto significa tratar intensivamente no quarto, ao invés de humanizar leitos tradicionais de UTI. Isto já é feito de alguma forma nas unidades semi-intensivas, das quais eu tenho muita simpatia. Significa uma inversão de 180 graus no caminho que se segue atualmente.
Teoricamente isto que imaginamos é bonito e humano. Mas é difícil realizar este empreendimento. Por isso, penso que devemos pensar a fundo no futuro do design de UTIs, principalmente quando se anuncia que hospitais serão de Tratamento Intensivo exclusivamente. Tenho certeza que os intensivistas da Unifesp têm muita sorte e uma grande chance de fazer diferente, dando exemplo para todos nós. Boa sorte para o novo hospital !
André Japiassú
Trabalho numa UTI pediatrica no interior da bahia, a visita é liberada em tempo integral para os pais e dehorário para os familiares. levamos pacientes para tomar sol, damos banho na banheira...Já coloquei criança intubada no colo da mãe...
ResponderEliminarna realidade acredito que devemos mudar de concepção dentro das nossas próprias unidades também.
não adianta só maquinas, os seres humanos devem saber sistematizar o seu cuidado. Já trancendemos muitos paradigmas, em breve entederemos também que o índice de mortalidade não é um bom marcador para UTIs, talvez entederemos que o grau de funcionalidade e participação social pós alta são muito mais importantes.
Grande abraço, e parabéns pelo blog
Grande André
ResponderEliminarBem pertinentes seus pensamentos sobre esta notícia que vem de São Paulo. Não tenho tanta certeza sobre o quanto isto realmente possa ser bom. Vivemos um momento de definições para nossa especialidade. Há deficit de profissionais qualificados, principalmente médicos e enfermeiros, e me preocupo com a ideia de cada vez mais transferir-se para os intensivistas pacientes que necessariamente não são mais graves, mas sim mais complexos, com necessidade de um maior cuidado diferenciado. Entendo que a terapia intensiva deva ficar focada nos pacientes realmente críticos, podendo também ser um ambiente propício para vigilância dos mais instáveis. O aumento do número de leitos de CTI promove uma distorção, talvez muito sutil ainda, onde os médicos que devem cuidar dos pacientes internados em quartos e enfermarias cada vez mais apresentam dificuldades em cuidar de situações um poucos mais delicadas como um edema agudo de pulmão, hemorragia digestiva alta, ou mesmo um episódio de broncoespasmo mais arrastado. Os enfermeiros destas unidades progressivamente apresentam mais dificuldade em conduzir o cuidado das situações clínicas recém descritas. Penso ser preocupante esta proliferação de leitos de UTI. Outro problema muito bem comentado por você diz respeito ao distanciamento que tenderá a acontecer entre o paciente e seu familiar. Precisamos ver o paciente como um todo, incluindo aí as necessidades que ele possa ter como ser humano, em especial as necessidades emocionais. O que visualizo como um interessante caminho para nossa especialidade e para a realidade dos grandes hospitais, é a "UTI fora da UTI". Nós deveríamos capacitar os profissionais que trabalham fora das unidades fechadas a que pudessem ter um mínimo de competência aceitável para conduzir situações clínicas mais complexas, mas não necessariamente críticas, e poderíamos supervisionar este trabalho de dentro das UTIs. Se pudéssemos manter este tipo de paciente mais complexo nos próprios quartos, junto aos familiares, e levássemos a ele toda a atenção necessária para que o quadro dele fosse revertido, seria uma boa saída não só para o paciente, mas para todo o sistema de saúde. Tecnologia e ambiente adequado de um CTI são fundamentais para o tratamento de pacientes mais instáveis e críticos, mas o elemento diferencial para que haja sucesso no tratamento ainda é o profissional humano qualificado. Não desmerecendo a iniciativa de São Paulo, mas me agradaria mais o anúncio de um hospital que fosse ter em seu corpo clínico todos os médicos com perfil técnico de intensivista, independentemente de estarem lotados trabalhando na UTI.
Vamos aguardar a evolução dos fatos e procurar aprender o máximo com esta experiência, que espero eu, possa ser a mais positiva possível.
Moyzes Damasceno
Concordo plenamente com o Rodrigo e o Moyzes. Obrigado pela atenção de vocês.
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