23 novembro 2010

Demanda por vagas em UTIs - como saber quantas são necessárias ?

Adhikari NK, Fowler RA, Bhagwanjee S, Rubenfeld GD. "Critical care and the global burden of critical illness in adults". Lancet 2010;Published Online October 9, 2010; DOI:10.1016/S0140-6736(10)60446-1

A Medicina Intensiva surgiu durante a epidemia de poliomielite na década de 1950, na Europa. Suporte ventilatório para os pacientes em insuficiência respiratória era reunido em um único ambiente, com o esforço de médicos e enfermeiros para manter a vida destes pacientes. Após 60 anos, o conceito de Medicina Intensiva mudou. Hoje, não importa o lugar ou setor de que se fala, mas sim da gravidade do paciente, com doenças graves e complexas, comorbidades significativas e disfunções orgânicas sérias, tornando o manuseio difícil sem a orientação do intensivista. Além deste tipo de paciente com disfunções orgânicas, pós-operatórios e doentes que necessitam cuidados paliativos podem ser internados em unidades fechadas também, e se beneficiam potencialmente dos cuidados de profissionais de Medicina Intensiva.

Discute-se hoje a organização dos cuidados a pacientes graves em hospitais e até redes de saúde, privadas e públicas. Foram criadas unidades semi-intensivas e outras unidades específicas, como coranariana e neurointensiva. O número de leitos e unidades necessários para atender a necessidade da população pode depender da complexidade do atendimento, da área coberta por um hospital ou uma rede e do financiamento que se dispõe para organizar cuidados terciários de saúde. Portanto, é difícil estimar o número certo de vagas de leitos para Terapia Intensiva, se não analisarmos tudo isto.

Os autores deste artigo estimaram o "burden of critical illness", ou seja, o número de pacientes graves e a mortalidade por uma doença aguda grave, em diferentes partes do Globo. Eles tiveram muita dificuldade em definir "critical illness", já que podemos abranger de sepse grave a IAM, ou acidente ofídico complicado e síndrome de veia cava superior. Os estudos analisados pelos autores incluíram os termos: "sepsis, nosocomial infection, mechanical ventilation, end-of-life care". Dados americanos estimam que ocorrem 300 casos de sepse grave por 100.000 cidadãos americanos/ano. Esta taxa pode ser muito maior em países pobres, onde as condições sanitárias são piores e ocorrem doenças como dengue, cólera, leptospirose e malária. Na África, ainda existe a possibilidade de um número estrondosamente maior de sepses graves, já que a população com HIV/SIDA (predisposta a infecções graves) é muito maior que outras partes do mundo.

Outro ponto salientado são as sequelas após o tratamento de doenças graves ("critical illness"). Falta de mobilidade, fraqueza neuromuscular, disfunção respiratória e neurológica e prejuízos financeiros são comuns, e podem tornar a internação mais prolongada, aumentando a necessidade de vagas em UTIs e hospitais.

A população mundial está envelhecendo e os idosos estão mais predispostos a doenças agudas graves ou a agudização de doenças crônicas debilitantes. Em aproximadamente 20 anos, haverá crescimento de mais de 330.000 casos de lesão pulmonar aguda nos Estados Unidos, principalmente em idosos com infecções respiratórias. Isto torna alarmante a falta de leitos e profissionais capazes de tratar esta população de maneira eficaz.

Números:

Estados Unidos - 5980 UTIs; 9 leitos de UTI/100 leitos de hospital; 20 leitos de UTI por 100.000 habitantes

Canadá (logo ao lado!) - 319 UTIs; 3,4 leitos de UTI/100 leitos de hospital; 13,5 leitos de UTI por 100.000 habitantes

França - 550 UTIs; 2,5 leitos de UTI/100 leitos de hospital; 9,3 leitos de UTI por 100.000 habitantes

Reino Unido - 268 UTIs; 1,2 leitos de UTI/100 leitos de hospital; 3,5 leitos de UTI por 100.000 habitantes

Austrália - 160 UTIs; ? leitos de UTI/100 leitos de hospital; 8 leitos de UTI por 100.000 habitantes

China - ? UTIs; 1,8 leitos de UTI/100 leitos de hospital; 3,9 leitos de UTI por 100.000 habitantes

Colômbia (única entre sulamericanos no estudo) - 89 UTIs; 3,5 leitos de UTI/100 leitos de hospital; ? leitos de UTI por 100.000 habitantes

Sabe-se que a mortalidade, e talvez a complexidade, de pacientes com sepse nos Estados Unidos e na Austrália são muito menores que na Ásia e em países europeus. A existência destas taxas de leitos de UTI por leitos de hospital e por 100.000 habitantes é muito relativa, dependendo da cada país.

No Brasil, a AMIB tinha cadastrado cerca de 700 UTIs em 1997, 1400 em 2004 e mais de 2000 unidades em 2009. São cadastrados 25.367 leitos, com 54% na região Sudeste (AMIB - http://www.amib.org.br/noticias.asp?cod_site=0&id_noticia=819). Está em torno de 2 a 3 leitos de UTI por 100.00 habitantes a taxa de oferta de vagas, porém sabe-se pouco a respeito da gravidade e do tempo de permanência dos pacientes nas UTIs.

Conclui-se que precisamos saber mais detalhes da demanda de vagas de UTIs, e principalmente as características dos pacientes internados, preferencialmente de modo regional, para daí saber a real necessidade de leitos e profissionais de Medicina Intensiva a serem empregados.

André Japiassú

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