22 outubro 2012

Salina: a nova vilã na UTI

Shaw AD, Bagshaw SM, Goldstein SL, Scherer LA, Duan M, Schermer CR, Kellum JA. Major complications, mortality, and resource utilization after open abdominal surgery: 0.9% saline compared to Plasma-Lyte. Ann Surg 2012 May;255(5):821-9.

Yunos NM, Bellomo R, Hegarty C, Story D, Ho L, Bailey M. Association between a chloride-liberal vs chloride-restrictive intravenous fluid administration strategy and kidney injury in critically ill adults. JAMA 2012 Oct 17;308(15):1566-72.

Duas publicações me chamaram a atenção nos últimos meses, sobre a prática muito comum de fazer reposição volêmica com soro fisiológico 0,9% - a famosa salina. É frequente encontrarmos um paciente com provável hipovolemia e tentarmos prova de volume com salina, ou outro líquido. Só que usar salina é tão eficaz quanto usar coloides, é mais barato e não tem reações adversas farmacológicas (como alergia, insuficiência renal ou discrasia). Por isso, estas 2 publicações podem ter impacto no nosso dia-a-dia, mudando a tendência de fazer reposição com soluções ricas em cloro para soluções com menos deste elemento.

Shaw e colaboradores fizeram estudo observacional em grande banco de dados (mais de 30 mil pacientes) sobre cirurgia abdominal. Nele, todos os pacientes que utilizaram reposição volêmica no per-operatório eram elegíveis. O objetivo principal era observar a incidência de complicações graves no pós-operatório. Após isolar os casos que receberam apenas salina ou solução balanceada sem cálcio (Plasmalyte), fizeram análise de caso-controle com 3 pacientes com salina versus 1 com Plasmalyte. A solução Plasmalyte tem composição semelhante ao Ringer lactato, e só diferem pela presença ou ausência de cálcio.
De 2778 pacientes com salina e 926 com Plasmalyte, as diferenças de desfechos foram importantes: pacientes no grupo salina tiveram mais infecções, receberam maior quantidade de líquidos e soluções tampão (como bicarbonato), ficaram mais tempo em ventilação mecânica e tinham maior chance de precisar de diálise que os pacientes que receberam solução balanceada. Salina também esteve associada a maior número de gasometrias e dosagens de lactato, já que está associada à maior presença de acidose hiperclorêmica. Veja Figura abaixo.



No artigo por Yunos et al, um outro tipo de análise - antes versus depois - foi realizada. O objetivo principal foi analisar a disfunção renal pelos critérios RIFLE e AKIN; secundariamente, uso de diálise, tempo de hospitalização e mortalidade foram observados. Durante 6 meses de 2008 era permitido usar qualquer líquido escolhido pelo médico que atendia o paciente. Isto incluía salina, gelatina e soluções de albumina a 4% que contém salina na sua composição. Após mais 6 meses de intervalo sem coleta de dados, outro período de 6 meses foi implementado para restringir o uso de soluções ricas em cloro apenas para pacientes neurológicos agudos (TCE, edema cerebral e hiponatremia). Então, usou-se Plasmalyte, Ringer lactato e albumina a 20% com redução da quantidade de cloreto de sódio.
Os resultados principais favorecem o uso de soluções com menos cloro: menor incidência de disfunção renal aguda, principalmente nas classes Injury (dano) e Failure (falha/insuficiência) dos critérios RIFLE - 6,3% vs 3% e 7,5% vs 5,4% nos períodos antes e depois, respectivamente (tabela abaixo); houve menor aumento dos níveis de creatinina depois da intervenção (p=0,03); menor incidência insuficiência renal aguda - odds 0,52 (IC 95% 0,37-0,75); redução de 10% do uso de diálise no período após intervenção (menor chance na curva Kaplan-Meyer). Porém, os desfechos de tempo e mortalidade não foram diferentes nas 2 fases do estudo.



Em conclusão, existe a clara tendência atual de reduzir a utilização de soluções ricas em cloreto de sódio, como salina, gelatina e albumina. Esta intervenção pode influenciar o aparecimento de disfunção renal aguda, e talvez complicações não-renais (metabólicas e respiratórias).

André Japiassú

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