· Singer M, Deutschman CS, Seymour CW,
Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, Bellomo R, Bernard GR, Chiche JD,
Coopersmith CM, Hotchkiss RS, Levy MM, Marshall JC, Martin GS, Opal SM,
Rubenfeld GD, van der Poll T, Vincent JL, Angus DC. The Third International
Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016 Feb
23;315(8):801-10. doi: 10.1001/jama.2016.0287.
· Shankar-Hari M, Phillips GS, Levy ML, Seymour
CW, Liu VX, Deutschman CS, Angus DC, Rubenfeld GD, Singer M; Sepsis Definitions
Task Force. Developing a New Definition and Assessing New Clinical Criteria for
Septic Shock: For the Third International Consensus Definitions for Sepsis and
Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016 Feb 23;315(8):775-87. doi:
10.1001/jama.2016.0289.
· Seymour CW, Liu VX, Iwashyna TJ, Brunkhorst FM,
Rea TD, Scherag A, Rubenfeld G, Kahn JM, Shankar-Hari M, Singer M, Deutschman
CS, Escobar GJ, Angus DC. Assessment of Clinical Criteria for Sepsis: For the
Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock
(Sepsis-3). JAMA. 2016 Feb 23;315(8):762-74. doi: 10.1001/jama.2016.0288.
O conceito SIRS (Systemic Inflammatory Response Syndrome)
foi criado em 1991, em reunião de experts para formular definições de sepse.
Ficou definido que sepse é a presença de SIRS com infecção presumida ou
comprovada. Desde então, há uma discussão sobre vantagens e desvantagens desta
definição, mas não há dúvida que o conceito “pegou” no mundo inteiro, e ajudou
na identificação mais precoce e uniforme de sepse. Não há dúvida que SIRS
aumenta muito a sensibilidade: Rangel-Frausto (JAMA, 1995) já havia demonstrado
que mais de 90% dos pacientes que internam em UTI apresentam SIRS em algum
momento (o que não quer dizer que se faz screening
de sepse em todos eles...). Um estudo francês (Brun-Buisson JAMA 1995) mostrou
que 99% dos pacientes sépticos apresentam taquipneia, 97% taquicardia, 77%
hipotensão e 83% febre ou hipotermia.
Uma nova conferência de consenso
foi realizada após 10 anos, em 2001, para rever possíveis critérios que
tornassem a definição mais específica. O conceito PIRO surgiu, imitando um
pouco da classificação de câncer (TNM), mas não vingou. A nova classificação
queria incluir biomarcadores para substituir a falta de especificidade da
leucocitose e leucopenia, mas não há bons estudos com procalcitonina ou
proteína C reativa. Até que se avaliasse o sistema PIRO de um determinado
paciente, já estaríamos atrasados para tratar sepse.
Em 2015, Kaukonen e colaboradores
(ANZICS, Oceania) avaliaram o conceito SIRS para determinar sua sensibilidade
para infecção e disfunção orgânica em 172 UTIs de Austrália e Nova Zelândia.
SIRS se correlacionou com mortalidade, e quanto mais critérios, menor a chance
de sobrevivência (13% para cada ponto adicional de SIRS). Os autores não
identificaram um ponto de corte para aumento de mortalidade com SIRS, mas é
claro que > ou = 2 pontos apresentava sim um incremento da mortalidade (veja
figura abaixo). Outra crítica é que 1 em cada 8 pacientes sem SIRS poderia
apresentar sepse pelas definições de infecção com disfunção orgânica
(codificação a partir de registros de prontuários eletrônicos e banco de
dados). Esta codificação foi criada por Angus em 2001 para trabalhar com
grandes bancos de dados nos Estados Unidos, e foi adaptada pela ANZICS para
este estudo. O racional é que todo paciente com infecção que tem certas
disfunções orgânicas apresenta sepse. No entanto, não é possível saber se a
disfunção é aguda ou crônica. Enfim, este estudo da Oceania critica a
persistência do uso de SIRS para detecção de sepse, mas não parece ter
resultados condizentes com as conclusões.
Há cerca de 20 dias uma nova conferência
ocorreu na Índia (Agra) durante congresso do International Sepsis Forum. Dezenove experts foram convidados pelas
sociedades americana e europeia de Medicina Intensiva para revisar e opinar as
definições de sepse (Sepsis-3). Os principais pontos do documento são:
- · a definição prévia apresenta foco na inflamação, baixa acurácia do conceito SIRS e falha no conceito de continuidade da sepse ao choque séptico; o termo sepse grave foi tido como redundante, já que a presença de disfunção orgânica passou a ter mais importância para definir sepse (pacientes com 4 critérios de SIRS sem infecção ou sepse sem disfunção orgânica apresentam muitas semelhanças e mortalidade ~ 8-16%); sepse é definida como disfunção orgânica ameaçadora (grave) causada por uma resposta do hospedeiro desregulada à uma infecção;
- · a disfunção orgânica grave é definida por pelo menos pontuação 2 em algum critério do escore SOFA ou aumento de 2 pontos a mais do escore basal;
- · as definições foram separadas para pacientes fora e dentro da UTI: o quick SOFA ou qSOFA (frequência respiratória igual ou acima de 22 por minuto; pressão arterial sistólica menor ou igual a 100 mmHg e alteração do estado mental) deve ser usada para pacientes fora da UTI, enquanto o escore SOFA deve ser usado para definir sepse dentro da UTI;
- · a dosagem de lactato sérico não entrou na composição dos escores para definir disfunção orgânica, mesmo titulando níveis entre 2 e 4 mmol/l; a exceção é o paciente com apenas 1 ponto no qSOFA e lactato acima de 2 mmol/l, que foi estratificado com maior risco de morte;
- · choque séptico foi definido em pacientes com anormalidades circulatórias, celulares e metabólicas que apresentam hipotensão que necessita vasopressor para manter PA média igual ou acima de 65 mmHg e com lactato sérico acima de 2 mmol/l, depois de reposição volêmica.
Existem controvérsias em torno
destas novas definições. Muitas sociedades e entidades interessadas no assunto
endossaram o consenso, mas American College of Chest Physicians, American
College of Emergency Physicians e Instituto Latino-Americano de Sepse não
concordaram. Vou expor alguns pontos de discórdia e tentar dar uma visão
pessoal do tema.
Primeiramente, não me agrada definir
sepse com presença de disfunção orgânica. Talvez isto tenha acontecido porque
as evidências / artigos de análise de epidemiologia de SIRS/sepse são de
estudos observacionais retrospectivos. Diante de um grande banco de dados, com
pacientes da UPMC (Pensilvânia), Kaiser Permanente (Califórnia), Rede Veterans
Administration (VA), King County (Washington State) e Universidade de Jena (Alemanha),
a definição de um caso de sepse só é realizada com os critérios de disfunção
orgânica.
Em segundo lugar, parece haver um
excesso de sensibilidade do diagnóstico de sepse em países desenvolvidos, o que
não agrada médicos, pesquisadores e fontes pagadoras. Enquanto interessa ter
grande sensibilidade para diagnosticar num primeiro momento (implementação do
protocolo), pode se caminhar para apertar a especificidade do protocolo após
queda da mortalidade a níveis satisfatórios, como 18%-21% nos Estados Unidos,
Austrália e alguns poucos países europeus. Mas esta não é a realidade de muitos
países em desenvolvimento na América Latina, África e Ásia. Mervyn Singer
coloca no fim do artigo de definições e ao final da sua videoconferência da
semana passada (Fev 26, ESICM, Webinar) que o conceito de SIRS pode ser útil
para diagnóstico de sepse.
Eu apreciei a escolha dos fatores
para o qSOFA (taquipneia, hipotensão e alteração mental) para definir sepse na
presença de infecção. São realmente os fatores que logo chamam a atenção num
paciente que chega na emergência ou está numa enfermaria de hospital. Mas esperar
que o paciente tenha 2 destes 3 para definir sepse pode atrasar o tratamento. O
trabalho de triagem em emergência ou no andar (time de resposta rápida) requer
sensibilidade alta, e não priorizar especificidade.
Outro grande ponto de
controvérsia é a ausência do lactato sérico nas definições de sepse, ficando
apenas para definir choque séptico. Seymour et al tentou “imputar” o lactato no
modelo do qSOFA, usando 3 níveis (2, 3 e 4 mmol/l). A presença do lactato não
acrescentou sensibilidade ou especificidade ao modelo, o que parece ter criado
muito desconforto aos autores, porque este resultado “negativo” é extensamente
debatido no fim do artigo. O lactato sérico elevado é sinal de mau prognóstico
demonstrado em vários artigos sobre sepse nas últimas 2 décadas; mas agora ele
não influencia no prognóstico de pacientes sépticos americanos ? Duas possíveis
explicações são: a ausência da medida de lactato em mais de 80% dos pacientes
com infecção na coorte da UPMC; um fator associado à hiperlactatemia é a hipotensão,
que pode ter sido mais forte estatisticamente no modelo de regressão logística que
definiu o qSOFA. Fatores como hiperlactatemia e taquicardia podem ter perdido
força estatística quando comparados à hipotensão.
O qSOFA não mostrou acurácia
suficiente nos pacientes em UTIs. A recomendação é de usar alterações de mais
de 2 pontos no escore SOFA para ajudar a definir sepse. De alguma maneira, isto
já é o que fazemos para definir sepse em paciente que já está grave, em ventilação,
com sedação ou mesmo vasopressor.
Eu admirei muito a nova definição
de choque séptico, que sempre foi muito ampla e inespecífica (Shankar-Hari et
al, JAMA 2016). O uso de vasopressor, após reposição volêmica, e com
hiperlactatemia > 2 mmol/l é realmente mais clara agora. As outras
definições não demonstraram tanta associação com mortalidade quanto a escolhida
através de revisão sistemática das evidências.
O algoritmo apresentado na última
página do artigo de consenso (Singer et al, JAMA 2016) inverte a ordem atual da
definição de sepse: enquanto se partia da presença de inflamação (SIRS) para
detectar infecção grave, a ordem passa a ser detectar disfunção orgânica (SOFA)
depois de presumir ou comprovar infecção. A recomendação é de medir o escore
SOFA, mesmo depois do qSOFA ter sido positivo (2 ou 3 pontos), antes de
determinar se o paciente tem sepse (veja figura abaixo). Minha opinião é que
haverá atraso na condução do paciente; alternativamente, poderia se iniciar
tratamento com qSOFA positivo, sem esperar restante dos exames laboratoriais.
Por último, parece ter
permanecido um “gap” entre os resultados de um grande trabalho de análise de
alguns bancos de dados (pesquisa clínica epidemiológica) feito por Seymour e a prática
hospitalar no dia-a-dia. Imagine um paciente que chega com sintomas de
pneumonia numa emergência, com taquicardia e taquipneia, mas ainda sem
hipotensão ou confusão mental; ele já é triado como sepse segundo a definição
antiga, mas pode se esperar pelos exames laboratoriais e o escore SOFA para definir
a partir de agora. Isto acarreta possivelmente tempo diferente para início de
antibióticos e reposição volêmica. Quem disser que não acarreta atraso, é
porque ainda usará a boa e velha triagem antiga. Somente estudos prospectivos
nos responderão o que é certo.
André Japiassú
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