Efeitos da Pressão Expiratória Positiva Final
(PEEP) Elevada “ Baixa da Síndrome da
Angústia Respiratória Aguda
Effects of high versus low positive
end-expiratory pressures in acute respiratory
distress syndrome.
“Am J Respir Crit Care Med”
2005;171:1002-1008.
Grasso S, Fanelli V, Cafarelli A “et al.”
RESUMO
Um estudo recente do ARDS Network comparou a tradicional estratégia
de utilizar baixos níveis de pressão expiratória positiva final
(PEEP) com PEEP elevada em pacientes portadores da síndrome da angústia
respiratória aguda (SARA) ventilados com baixos volumes correntes.
Os resultados clínicos foram similares independentemente dos níveis
de PEEP utilizados. Os autores compararam a estratégia de PEEP
baixa (9 ± 2 cmH2O) com a de PEEP alta (16±1 cmH2O) em 19 pacientes.
Em nove pacientes submetidos à PEEP elevada, ocorreu umrecrutamento
alveolar significativo (587 ± 158 ml), melhora na relação
PaO2/FiO2 (150 ± 36 a 396 ± 138) e redução da elastância pulmonar
estática (23±3 a 20±2 cm H2O/l). Em10 pacientes submetidos à PEEP
baixa, o recrutamento alveolar foimínimo, a oxigenação não melhorou,
e a elastância pulmonar estática aumentou (26 ± 5 a 28 ± 6 cm H2O/l).
O aumento da oxigenação, a redução na elastância pulmonar estática e
a forma da curva pressão-volume durante a estratégia de PEEP baixa
foram independentemente associados ao recrutamento alveolar. Em
conclusão, o protocolo proposto pelo ARDS Network não possui uma
base fisiológica sólida, freqüentemente falha em induzir recrutamento
alveolar e pode aumentar o risco de hiperinsuflação alveolar.
COMENTÁRIOS
A lesão induzida pela ventilação mecânica (VILI) é um fenômeno inicialmentemecânico
secundário às elevadas forças de tensão e distensão
(estresse/strain) que o citoesqueleto pulmonar pode suportar em
pacientes com lesão pulmonar aguda (LPA) e SARA.1,2 O grupo do ARDS
Network mostrou em mais de 800 pacientes com SARA que o uso de
volume corrente (Vt) de 6ml/kg diminuiu a mortalidade emmais de 20%
comparado com o uso de Vt de 12 ml/kg.3 Esse estudo gerou grande
controvérsia pela possibilidade de que a diferença seja devida ao alto
grau de mortalidade no grupo de Vt alto.4,5
Além da hiperdistensão causada pelo uso de Vt elevados, a VILI
também pode ser induzida ou agravada por abertura e fechamento
repetidos de unidades alveolares instáveis, aquelas que se rompem
durante a expiração. Desse modo, o uso de PEEP elevada demonstrou
melhorar a sobrevida ao diminuir o chamado atelectrauma.6,7 Por este
motivo, o grupo ARDS Network comparou em um segundo estudo o uso
de PEEP baixa (9 ± 2 cmH2O) e alta (16 ±1 cm H2O) em pacientes com
SARA ventilados com Vt baixo (6 ml/kg).8 O estudo não mostrou diferenças
namortalidade emmais de 500 pacientes e foi abortado prematuramente.
Novamente, foi gerada uma controvérsia para explicar esse
resultado negativo.
O grupo de Grasso, da Universidade de Bari, repetiu esse estudo
comparando PEEP alta com baixa em 19 pacientes com SARA, seguindo
uma avaliação fisiológica bastante elegante e completa. Após 12 horas
em cada nível de PEEP, os autores realizaram medidas de fluxo, volume,
e pressão de via aérea e esofágica, para cálculo de PEEP intrínseca, elastância
do sistema respiratório, assim como do pulmão e da parede torácica.
Além disso, utilizando a técnica de fluxo lento, construíram curvas
pressão-volume que lhes permitiram medir o volume recrutado com a
estratégia de PEEP elevada. Os pacientes foram definidos como “recrutadores”
caso a estratégia de PEEP elevada induzisse um recrutamento
alveolar superior a 150 ml.
Os achados foram surpreendentes: apenas a metade dos pacientes
(n = 9, 47%) recrutou menos de 150 ml com a estratégia de PEEP elevada
(587±158 ml). Neles, as conseqüências da estratégia de PEEP elevada
foram favoráveis tanto na troca gasosa como na mecânica respiratória.
Por outro lado, o grupo que não foi submetido à PEEP elevada (n =
10, 53%), ao ser submetido à PEEP elevada segundo o algoritmo do
ARDS Network, nãomelhorou a troca de oxigênio, aumentando de forma
significativa a elastância pulmonar e do sistema respiratório. O
aumento da PaCO2, sem alteração de volume minuto nesse grupo,
sugere aumento do espaçomorto secundário a hiperdistensão alveolar.
O estudo de Grasso et al. segue uma linha fisiológica que demonstra
que a população de pacientes com LPA/SARA é altamente heterogênea,
e que nem todos respondem igualmente não apenas à PEEP, mas
também a manobras de recrutamento alveolar.9 Foi encontrada uma
grande variabilidade individual no potencial de recrutamento (PR) alveolar,
utilizando a tomografia computadorizada de pulmão na população
de 68 pacientes com LPA/SARA.10 O PR (definido como tecido pulmonar
não areado a 5 cm H2O que ganha aeração a 45 cm H2O) foi, em
média, de 13% ± 11% do peso pulmonar, mas foi altamente variável
entre os pacientes. O PR apresentou uma relação com o prognóstico,
pois PR mais elevada se associa a maior peso pulmonar e menor troca
gasosa e distensão toracopulmonar. De fato, ao dicotomizar a população,
os pacientes com maior PR apresentaram maior mortalidade que
aqueles com menor PR (41% versus15%, p = 0,02).
De acordo com os estudos de Grasso et al. e nossos dados, é evidente
que o segundo estudo do ARDS Network não foi adequadamente
planejado ao tentar encontrar diferenças entre o uso de PEEP baixa e
alta. Caso os pacientes com alto ou baixo PR sejam aleatoriamente atrelados
a uma estratégia de PEEP alta ou baixa, como foi utilizado em
ambos os estudos do ARDS Network, os possíveis benefícios de PEEP
alta em pacientes com alto PR podem ser ocultados por um dano causado
por esse mesmo nível de PEEP em pacientes com baixo PR e
vice-versa.
Tanto os estudos do ARDS Network como a nova evidência fisiológica
apontam para uma ventilação menos nociva e mais dirigida à
mecânica pulmonar do paciente. Acreditamos que avaliar o potencial
de recrutamento alveolar pode ter importância clínica para decidir a
melhor estratégia ventilatória em pacientes com SARA. Enquanto novos
estudos clínicos não são realizados, otimizar o recrutamento alveolar
e limitar as pressões a valores entre 28 e 32 cm H2O e o volume corrente
entre 6 e 8 ml/kg são parte dos objetivos primários da ventilação
protetora.
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patients with Acute Respiratory Distress Syndrome. N Engl J Med (2006)
Do Volume III da série ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA – ARTIGOS COMENTADOS
Editora Revinter , 2005
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