29 maio 2007

Ventilação Não Invasiva e Hipoxemia em Pós-operatório

Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas para Tratamento da Hipoxemia

Pós-Operatória – Um Ensaio Controlado Randomizado

Continous Positive Airway Pressure for Postoperative Hypoxemia – A Randomized Controlled Trial. JAMA. 2005; 293:589-595.

Squadrone V, Coha M, Cerutti E et al.

Contexto: a hipoxemia ocorre em 30% a 50% dos pacientes no pós-operatório de cirurgia abdominal, sendo necessário intubação traqueal para ventilação mecânica em cerca de 10% dos casos, o que sabe-se acarreta aumento da morbidade e mortalidade destes pacientes, além de prolongar o do tempo de internação na UTI e no hospital.

Objetivo: determinar o benefício do uso da pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) quando comparada com o tratamento padrão na prevenção da intubação traqueal e ventilação mecânica em pacientes que desenvolvem hipoxemia aguda no pós-operatório imediato de cirurgia abdominal eletiva de grande porte.

Desenho e local de realização do estudo: estudo randomizado, controlado, não cego, conduzido entre Junho de 2002 e Novembro de 2003 em 15 unidades de terapia intensiva do consórcio Piedmont Intensive Care Units Network da Itália.

Pacientes: pacientes consecutivos que desenvolveram hipoxemia aguda (PaO2/FiO2 <>

Intervenção: pacientes foram randomizados para receber oxigênio através de uma máscara Venturi (n= 104) ou oxigênio e CPAP não invasivo administrados através do uso de um capacete (n= 105).

Medidas e objetivos principais: o objetivo principal foi comparar a incidência de intubação traqueal, e os objetivos secundários foram descrever o tempo de internação na UTI e no hospital, a incidência de pneumonia, infecção e sepse, e a mortalidade hospitalar.

Resultados: os pacientes que receberam CPAP apresentaram uma menor taxa de intubação (1 vs 10%; p = 0,005; risco relativo [RR]= 0,099; intervalo de confiança [IC] de 95%= 0,001-0,76) e menor incidência de pneumonia (2 vs 10%; RR= 0,19; 95% IC= 0,04-0,88; p = 0,02), infecção (3 vs 10%; RR= 0,27; 95% IC= 0,07-0,94; p =0,03), e sepse (2 vs 9%; RR= 0,22; 95% IC= 0,04-0,99; p= 0,03) quando comparados com os pacientes tratados com oxigênio apenas. Pacientes que receberam CPAP ficaram menos dias em UTI (1,4 ±1,6 vs 2,6 ± 4,2; p= 0,09) do que os pacientes tratados somente com oxigênio, porém o tempo de internação hospitalar foi semelhante (15 ±13 vs 17 ±15 dias, respectivamente p = 0,1). Nenhum dos pacientes tratados com oxigênio mais CPAP morreu no hospital, enquanto três pacientes tratados apenas com oxigênio faleceram durante a internação (p =0,12).

Conclusão: CPAP pode reduzir a incidência de intubação traqueal e outras complicações graves em pacientes que desenvolvem hipoxemia após cirurgia abdominal eletiva de grande porte.

Comentários

A hipoxemia é observada em 30% a 50% dos pacientes no pós-operatório de cirurgia abdominal, mesmo quando não há intercorrências cirúrgicas1. Embora na maioria das vezes o uso de oxigênio e a espirometria incentivada sejam efetivas no tratamento desta condição2, cerca de 8% a 10% dos casos podem evoluir para insuficiência respiratória com necessidade de intubação traqueal e ventilação mecânica, levando a um aumento da morbidade e mortalidade, além de prolongar o tempo de internação na unidade de terapia intensiva e no hospital1-3. O principal responsável para o surgimento da hipoxemia no pós-operatório de cirurgia abdominal é o desequilíbrio da relação ventilação-perfusão, causado por áreas de atelectasia do parênquima pulmonar provocada pelo decúbito dorsal, por uso de altas concentrações de oxigênio, por disfunção diafragmática temporária, pela diminuição do clearence de secreções pulmonares e pela dor4-5. Vários estudos têm demonstrado que o uso da pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) em pacientes com hipoxemia pós-operatória melhora as trocas gasosas, minimiza a formação de atelectasia e aumenta a capacidade residual funcional7-10, entretanto não se sabe se essa melhora fisiológica corresponde a uma melhor evolução clínica, como já demonstrada com o uso do CPAP em pacientes com edema pulmonar cardiogênico11, com insuficiência cardíaca congestiva e problemas respiratórios relacionados ao sono12. Este estudo tem como principal objetivo esclarecer esta questão.

Foram selecionados pacientes sem doenças pulmonares prévias submetidos a laparotomia com tempo de exposição de vísceras superior a 90 minutos que desenvolveram hipoxemia – definida por relação entre a pressão parcial e a fração inspirada de oxigênio (PaO2/FIO2) menor ou igual a 300 - após 01 hora respirando com máscara de Venturi com FIO2 de 30%. Os pacientes foram randomizados em dois grupos e tratados por pelo menos 6 horas consecutivas conforme descrito: o grupo controle recebeu apenas oxigênio com máscara de Venturi e FIO2 de 50% e o grupo intervenção recebeu CPAP de 7,5 cm H2O e oxigênio com FIO2 50%. O CPAP foi administrado por um gerador de fluxo e válvula expiratória e a aplicada através de capacete. Pacientes com hipercapnia e acidose respiratória, hipoxemia grave, com critérios para Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo, infarto agudo do miocárdio, hipotensão e redução do nível de consciência foram excluídos, na tentativa de se incluir apenas pacientes cujo principal mecanismo de hipoxemia fosse a atelectasia pós-operatória.

A utilização do capacete como interface para administração da CPAP, em valores de 7,5 cmH2O, pode explicar uma baixa taxa de intolerância (4%) quando comparada com estudos prévios (14%) que utilizaram máscara facial13. Estudos recentes demonstraram que embora a melhora na capacidade residual funcional e na oxigenação seja semelhante14, o uso do capacete melhora a tolerância, reduz a incidência de necrose de pele, de distensão gástrica e de irritação ocular, quando comparada à máscara facial15.

Outro aspecto interessante deste estudo é que os pacientes iniciaram o uso da CPAP assim que a hipoxemia pós-operatória foi detectada e a mantiveram por um período relativamente longo (19 ± 22 horas). A aplicação da CPAP foi interrompida somente após a correção da hipoxemia (persistência ou reversão da hipoxemia foram avalidas a cada 06 horas), ao contrário de outros estudos onde a utilização da CPAP foi tardia ao término da cirurgia16 ou por curto período de tempo17.

Os resultados deste estudo mostram que o uso precoce da CPAP de 7,5 cmH2O em pacientes com hipoxemia aguda após cirurgia abdominal eletiva de grande porte é bem tolerado e reduz a necessidade de intubação traqueal, tempo de internação na UTI, incidência de pneumonia, infecção e sepse, com baixo custo e segurança de uso.

Referências Bibliográficas

1. Arozullah AM, Daley J, Henderson WG, Khuri SF. National Veterans Administration Surgical Quality Improvement Program. Multifactorial risk index for predicting postoperative respiratory failure in men after major noncardiac surgery. Ann Surg. 2000; 232:242-253.

2. O’Donohue WJ Jr. National survey of the usage of lung expansion modalities for the prevention and treatment of postoperative atelectasis following abdominal and thoracic surgery. Chest. 1985; 87:76-80.

3. Lang M, Niskanen M, Miettinen P, Alhava E, Takala J. Outcome and resource utilization in gastroenterological surgery. Br J Surg. 2001; 88:1006-1014.

4. Bendixen HH, Hedley-White J, Laver MB. Impaired oxygenation in surgical patients during general anesthesia with controlled ventilation: a concept of atelectasis. N Engl J Med. 1963; 269:991-996.

5. Lindberg P, Gunnarsson L, Tokics L, Secher E, Lundquist H, Brismar B, Hedenstierna G. Atelectasis and lung function in the postoperative period. Acta Anaesthesiol Scand. 1992; 36:546-553.

6. Stock MC, Downs JB, Gauer PK, Alster JM, Imrey PB. Prevention of postoperative pulmonary complications with CPAP, incentive spirometry, and conservative therapy. Chest. 1985; 87:151-157.

7. Dehaven CB, Hurst JM, Branson RD. Postextubation failure treated with a continuous positive pressure airway mask. Crit Care Med. 1985; 13:46-48.

8. Lindner KH, Lotz P, Ahnefeld FW. Continuous positive airway pressure effect on functional residual capacity, vital capacity and its subdivisions. Chest. 1987; 92:66-70.

9. Rusca M, Proietti S, Schnyder P, Frascarolo P, Hedenstierna G, Spahn DR, Magnusson L. Prevention of atelectasis formation during induction of general anesthesia. Anesth Analg. 2003; 97:1835-1839.

10. Evans TW. International Consensus Conferences in Intensive Care Medicine: non-invasive positive pressure ventilation in acute respiratory failure. Intensive Care Med. 2001; 27:166-178.

11. Bersten AD, Holt AW, Vedig AE, Skowronski GA, Baggoley CJ. Treatment of severe cardiogenic pulmonary edema with continuous positive airway pressure delivered by face mask. N Engl JMed. 1991; 325:1825-1830.

12. Kaneko Y, Floras JS, Usui K, Plante J, Tkacova R, Kubo T, Ando S, Bradley TD. Cardiovascular effects of continuous positive airway pressure in patients with heart failure and obstructive sleep apnea. N Engl J Med. 2003; 348:1233-1241.

13. Delclaux C, L'Her E, Alberti C, Mancebo J, Abroug F, Conti G, Guerin C, Schortgen F, Lefort Y, Antonelli M, Lepage E, Lemaire F, Brochard L. Treatment of acute hypoxemic nonhypercapnic respiratory insufficiency with continuous positive airway pressure delivered by a face mask: a randomized controlled trial. JAMA. 2000; 284:2352-2360.

14. Patroniti N, Foti G, Manfio A, Coppo A, Bellani G, Pesenti A. Head helmet vs face mask for non-invasive continuous positive airway pressure: a physiological study. Intensive Care Med. 2003; 29:1680-1687

15. Antonelli M, Pennisi MA, Pelosi P, Gregoretti C, Squadrone V, Rocco M, Cecchini L, Chiumello D, Severgnini P, Proietti R, Navalesi P, Conti G. Noninvasive positive pressure ventilation using a helmet in patients with acute exacerbation of chronic obstructive pulmonary disease: a feasibility study. Anesthesiology. 2004; 100:16-24.

16. Drummond GB, Stedul K, Kingshott R, Rees K, Nimmo AF, Wraith P, Douglas NJ. Automatic CPAP compared with conventional treatment for episodic hypoxemia and sleep disturbance after major abdominal surgery. Anesthesiology. 2002; 96:817-826.

17. Carlsson C, Sonden B, Thylen U. Can postoperative continuous positive airway pressure (CPAP) prevent pulmonary complications after abdominal surgery? Intensive Care Med. 1981; 7: 225-229.

Do Volume III da série ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA – ARTIGOS COMENTADOS

Editora Revinter , 2005


Sem comentários:

Enviar um comentário

Transfusão de hemácias na UTI: após 20 anos

  Título: Red Blood Cell Transfusion in the Intensive Care Unit. Autores: Raasveld SJ, Bruin S, Reuland MC, et al for the InPUT Study Group....