29 setembro 2010

Bloqueador neuromuscular reduz mortalidade em pacientes com SARA

Papazian L, Forel JM, Gacouin A, et al. "Neuromuscular Blockers in Early Acute Respiratory Distress Syndrome". New Engl J Med 2010;363:1107-1116.

Depois de 1 década de estudos incentivando a menor sedação e deixar o paciente mais acordado, temos um estudo contrário. Mesmo no paciente com SARA, existem modos ventilatórios que podem permitir a ventilação parcialmente espontânea, e assim evitar a sedação profunda e o uso de curare (bloqueador neuromuscular).

Um estudo de Gainnier et al (Crit Care Med 2004), prospectivo e randomizado, com 56 pacientes com SARA, demonstrou que o uso de cisatracúrio por 48 horas melhorou a troca gasosa e reduziu a pressão de platô no intervalo de até 120 horas.

A hipótese de melhorar a complacência da caixa torácica, além do recrutamento alveolar, levou estes autores a usar cisatracúrio por 48 horas nos casos de SARA com relação PAO2/FiO2 abaixo de 150. O protocolo foi bem conduzido, com detalhamento sobre início de sedação e curarização, monitoração do bloqueio, e até o processo de desmame ventilatório.

O método de recrutamento alveolar foi similar ao realizado no estudo ARDSNetwork (nível de PEEP associado à necessidade de FiO2). Os autores monitoraram inclusive a incidência de paresia associada a doença grave, que pode ser efeito colateral do medicamento.

Foram incluídos 340 pacientes. A exclusão durante os 2 anos de estudo foi grande (de 1326 pacientes elegíveis, 986 foram excluídos); as principais causas foram falta de consentimento do familiar e decisões de fim de vida.

A mortalidade em 90 dias caiu de 41 para 31% com o uso de curare. A única diferença no "baseline" dos 2 grupos foi que o grupo curare tinha troca gasosa pior (p=0,03). Isto poderia até reduzir a importância do resultado na mortalidade. O tamanho amostral foi calculado para evidenciar uma redução de mortalidade de 15% em 90 dias. Mas o maior benefício foi para os pacientes com troca gasosa pior que 120, a redução de mortalidade foi de cerca de 15% (de 44,5% para 30%). A análise de sobrevida em 90 dias evidenciou o benefício maior nos pacientes com curare a partir de 15 a 20 dias após o início do tratamento.

Pneumotórax e uso off-label de curare foram maiores no grupo placebo. Não houve efeitos colaterais associados ao cisatracúrio. A chance de desmame dentro dos 90 dias foi maior no grupo curare (odds 1.4, IC 95% 1.1 a 1.8), assim como menor tempo de disfunções orgânicas além da pulmonar (12 versus 15 dias, p=0,01).

Existem limitações deste estudo: primeiramente, o uso de outros curares pode não ser benéfico como o cisatracúrio, pois outros têm vários efeitos colaterais significativos (inclusive o recomendado pela SCCM - pancurônio); não se observou atentamente outros medicamentos que poderiam potencializar ou antagonizar o uso de cisatracúrio no estudo; por fim, a mortalidade no grupo placebo foi bem menor que no estudo ALIVE, que serviu de comparação de mortalidade da SARA para o cálculo do tamanho amostral. Seria necessário outro estudo de 885 pacientes para provar o benefício do curare na SARA.

A mensagem deste estudo é que pode ser benéfica a administração de cisatracúrio em pacientes com SARA mais grave, preferencialmente com troca gasosa menor que 120, de forma precoce - nas primeiras 48 horas de evolução, sem prolongar este tratamento além deste período.

André Japiassú

2 comentários:

  1. Primeiro parabéns pelo artigo, sei que muitos fisioterapeutas podem me crucificar por isso, entretanto confesso que restaurar a funcionalidade deste tipo de paciente é algo bastante complexo. O curare possue efeito benéfico no que diz a respeito do WOB, diminuindo a assincronia ventilatória, o metabolismo lático muscular e otimiza a hematose quando o paciente é entregue à ventilação.
    O primeiro quisito para inciar um desmame ventilatório deve ser a resolução da causa que levou a IRpA, de modo que o paciente possua uma boa reserva ventilatória, otimizada com o uso do curare.
    E não esquecer das lesões de outros órgãos, o que caracteriza o biotrauma, devem ser minimizadas, portanto medidas de oxigenação e menores níveis de CO2 afim de minimizar o efeito acidótico são necessárias.

    Grande abraço, acompanhando o blog

    ResponderEliminar
  2. Obrigado Venício !
    Boas observações. Quando o doente é muito grave, com PF abaixo de 100, o bloq neuromuscular parece ser uma alternativa temporária.

    ResponderEliminar

Transfusão de hemácias na UTI: após 20 anos

  Título: Red Blood Cell Transfusion in the Intensive Care Unit. Autores: Raasveld SJ, Bruin S, Reuland MC, et al for the InPUT Study Group....