Papazian L, Forel JM, Gacouin A, et al. "Neuromuscular Blockers in Early Acute Respiratory Distress Syndrome". New Engl J Med 2010;363:1107-1116.
Depois de 1 década de estudos incentivando a menor sedação e deixar o paciente mais acordado, temos um estudo contrário. Mesmo no paciente com SARA, existem modos ventilatórios que podem permitir a ventilação parcialmente espontânea, e assim evitar a sedação profunda e o uso de curare (bloqueador neuromuscular).
Um estudo de Gainnier et al (Crit Care Med 2004), prospectivo e randomizado, com 56 pacientes com SARA, demonstrou que o uso de cisatracúrio por 48 horas melhorou a troca gasosa e reduziu a pressão de platô no intervalo de até 120 horas.
A hipótese de melhorar a complacência da caixa torácica, além do recrutamento alveolar, levou estes autores a usar cisatracúrio por 48 horas nos casos de SARA com relação PAO2/FiO2 abaixo de 150. O protocolo foi bem conduzido, com detalhamento sobre início de sedação e curarização, monitoração do bloqueio, e até o processo de desmame ventilatório.
O método de recrutamento alveolar foi similar ao realizado no estudo ARDSNetwork (nível de PEEP associado à necessidade de FiO2). Os autores monitoraram inclusive a incidência de paresia associada a doença grave, que pode ser efeito colateral do medicamento.
Foram incluídos 340 pacientes. A exclusão durante os 2 anos de estudo foi grande (de 1326 pacientes elegíveis, 986 foram excluídos); as principais causas foram falta de consentimento do familiar e decisões de fim de vida.
A mortalidade em 90 dias caiu de 41 para 31% com o uso de curare. A única diferença no "baseline" dos 2 grupos foi que o grupo curare tinha troca gasosa pior (p=0,03). Isto poderia até reduzir a importância do resultado na mortalidade. O tamanho amostral foi calculado para evidenciar uma redução de mortalidade de 15% em 90 dias. Mas o maior benefício foi para os pacientes com troca gasosa pior que 120, a redução de mortalidade foi de cerca de 15% (de 44,5% para 30%). A análise de sobrevida em 90 dias evidenciou o benefício maior nos pacientes com curare a partir de 15 a 20 dias após o início do tratamento.
Pneumotórax e uso off-label de curare foram maiores no grupo placebo. Não houve efeitos colaterais associados ao cisatracúrio. A chance de desmame dentro dos 90 dias foi maior no grupo curare (odds 1.4, IC 95% 1.1 a 1.8), assim como menor tempo de disfunções orgânicas além da pulmonar (12 versus 15 dias, p=0,01).
Existem limitações deste estudo: primeiramente, o uso de outros curares pode não ser benéfico como o cisatracúrio, pois outros têm vários efeitos colaterais significativos (inclusive o recomendado pela SCCM - pancurônio); não se observou atentamente outros medicamentos que poderiam potencializar ou antagonizar o uso de cisatracúrio no estudo; por fim, a mortalidade no grupo placebo foi bem menor que no estudo ALIVE, que serviu de comparação de mortalidade da SARA para o cálculo do tamanho amostral. Seria necessário outro estudo de 885 pacientes para provar o benefício do curare na SARA.
A mensagem deste estudo é que pode ser benéfica a administração de cisatracúrio em pacientes com SARA mais grave, preferencialmente com troca gasosa menor que 120, de forma precoce - nas primeiras 48 horas de evolução, sem prolongar este tratamento além deste período.
André Japiassú
Primeiro parabéns pelo artigo, sei que muitos fisioterapeutas podem me crucificar por isso, entretanto confesso que restaurar a funcionalidade deste tipo de paciente é algo bastante complexo. O curare possue efeito benéfico no que diz a respeito do WOB, diminuindo a assincronia ventilatória, o metabolismo lático muscular e otimiza a hematose quando o paciente é entregue à ventilação.
ResponderEliminarO primeiro quisito para inciar um desmame ventilatório deve ser a resolução da causa que levou a IRpA, de modo que o paciente possua uma boa reserva ventilatória, otimizada com o uso do curare.
E não esquecer das lesões de outros órgãos, o que caracteriza o biotrauma, devem ser minimizadas, portanto medidas de oxigenação e menores níveis de CO2 afim de minimizar o efeito acidótico são necessárias.
Grande abraço, acompanhando o blog
Obrigado Venício !
ResponderEliminarBoas observações. Quando o doente é muito grave, com PF abaixo de 100, o bloq neuromuscular parece ser uma alternativa temporária.