“Effect of early vs delayed
initiation of renal replacement therapy on mortality of critically ill patients
with acute kidney injury – ELAIN randomized clinical trial”. Zarbock et al,
JAMA 2016; 315(20):2190-9.
“Initiation strategies for
renal-replacement therapy in the intensive care unit – AKIKI study”. Gaudry et
al, N Engl J Med 2016; online May 15th.
Há 4 anos um consenso sobre classificação
e manuseio de insuficiência renal aguda foi publicado – KDIGO Guideline (Kellum
et al, Kidney Int 2012). A disfunção renal foi dividida em 3 níveis, de acordo
com a creatinina sérica e o débito urinário. O nível mais avançado (3) é
alcançado quando a creatinina aumenta 3 vezes o nível inicial ou creatinina maior
que 4,0mg/dl ou ocorre oligúria (menor que 0,3 ml/kg/h por 24 horas ou anúria
por 12 horas). Neste nível, já há falência renal e a necessidade de terapia
substitutiva (geralmente hemodiálise) é iminente. No entanto, é incerto como
iniciar diálise precocemente (alcançando estágios KDIGO 2 ou 3) ou tardiamente
(com indicações clássicas – oligoanúria, hipercalemia refratária, acidose
metabólica grave ou síndrome urêmica).
Estudos observacionais antes de
2010 apontavam para o benefício de se iniciar precocemente a diálise, porém um
estudo observacional de Elseviers e colaboradores conferiu que pacientes com
insuficiência renal aguda que são dialisados têm maior mortalidade, o que
parece óbvio; porém a diferença de mortalidade se manteve mesmo após ajuste
pela gravidade inicial dos pacientes (idade, APACHE II, SOFA e tipo de
insuficiência renal).
Embora o início de diálise apenas
com indicações clássicas esteja associado com pior prognóstico (Vaara et al,
2014), não parece haver muita influência da diálise mais precoce em estudos
observacionais (Clark et al, 2012). Diante destas evidências, 2 estudos clínicos
randomizados foram recentemente publicados, com diferença de menos de 7 dias. A
randomização separou grupo de pacientes que iniciaram diálise com o alcance de
níveis mais avançados de insuficiência renal aguda (KDIGO 2 ou 3) versus outro
grupo que só começou diálise com a presença de indicações clássicas. Mas ao
invés de fechar a questão, os resultados foram antagônicos, e a dúvida pode
persistir.
Quais foram as diferenças entre
os 2 estudos?
AKIKI study
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ELAIN study
|
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Seleção de pacientes
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KDIGO 3, com ventilação mecânica e/ou vasopressor
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KDIGO 2
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Gravidade
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SAPS 3 = 72-73 pontos
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APACHE II = 31-32 pontos
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SOFA score
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10 pontos
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15 pontos
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Intervenção
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Hemodiálise após KDIGO 3: até 6 horas ou com
indicação clássica*
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Hemodiálise com KDIGO 2 (até 8 h) ou KDIGO 3 (12
h)/indicação clássica*
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Amostra
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620 pacientes
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231 pacientes
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Características
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Clínico/cirúrgico
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Só cirúrgicos
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Desfecho 1ário: Mortalidade
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60 dias: 48% vs 49%;
Sem diferença de mortalidade
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90 dias: 39% vs 55%;
Redução de 15% na mortalidade
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Outros desfechos
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50% no grupo tardio não precisou hemodiálise; grupo
tardio teve menor incidência de bacteremia associada a cateter venoso e
recuperação mais rápida de diurese
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>95% usou hemodiálise; grupo precoce
apresentou menor tempo de diálise, tempo de hospitalização e tempo de
ventilação
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Observação
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Mortalidade em 60 dias foi diferente em 3 grupos
no final: 37% grupo tardio que não precisou diálise, 48% grupo precoce, 62% grupo
tardio que precisou diálise
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Níveis significativamente menores de IL-6 e IL-8
após 1 dia de diálise
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Indicações clássicas: potássio sérico maior que 6 mEq/L, ureia acima de 200 mg/dl, oligúria menor que 200 ml/12 h ou menor que 400 ml/72 h, edema pulmonar refratário a terapia diurética, pH arterial abaixo de 7,15 por causa metabólica
Como dá para perceber, os 2 estudos são bem diferentes. Os pacientes do estudo ELAIN foram mais graves. Eles dizem que hemodiálise é para pacientes que estão graves. Pacientes que evoluem com indicações clássicas de diálise são os que morrem mais frequentemente. E eu acho que podem ser complementares:
- o estudo AKIKI nos diz que se o
paciente desenvolve insuficiência renal aguda com KDIGO 3, mas não tem indicação
clássica de diálise, pode haver benefício de mortalidade na conduta expectante
(se o paciente não usar diálise e melhorar com tratamento clínico conservador);
- o estudo ELAIN nos diz que se
for para iniciar diálise em pacientes que evoluem com KDIGO 2 e estão muito
graves, que se faça de maneira precoce.
André Japiassú
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