03 julho 2023

Condutas no tratamento do AVC: novidades

Dois estudos foram divulgados recentemente sobre condutas no tratamento do AVC isquêmico (AVCi). O uso de medicamentos antiplaquetários e de anticoagulação é palco de debate intenso entre neurologistas, emergencistas e hospitalistas. Se não existe muitas dúvidas que trombólise e/ou trombectomia deve ser feita em pacientes com AVCi agudo e déficit neurológico significativo, o terreno fica mais “arenoso” quando se debate se esta terapia deve ser feita em pacientes com déficits agudos mais discretos e quando deve-se iniciar anticoagulação em casos de AVCi embólico.

O primeiro estudo é sobre conduta após AVCi em pacientes com fibrilação atrial. Há dúvida em relação ao “timing” de início de anticoagulação apos evento isquêmico cerebral nesta população. O certo é iniciar a terapia para evitar novo evento tromboembólico, mas há receio de hemorragia intracraniana, principalmente no local da isquemia, se o tratamento anticoagulante é iniciado logo após o evento agudo. Mas a chance de recorrência não é desprezível, e déficits neurológicos piores podem ocorrer se atrasa a terapia.

O estudo randomizado e controlado contou com 2032 participantes em 103 centros de 15 países durante quase 5 anos (2017-2022), divididos entre 1006 e 1007 pacientes recebendo DOAC precoce ou tardio.

A extensão do AVC foi definida como menor com até 1,5 cm em exame de imagem(TC ou RM); moderada se distribuição cortical em território cortical superficial de artérias cerebrais anterior, média ou posterior; e maior se tamanho de isquemia acima de 1,5 cm das artérias cerebrais ou em cerebelo ou tronco cerebral.

A randomização equilibrou também pacientes por idade maior ou menor que 70 anos, tamanho do infarto, escore NIHSS (limiar de 10 pontos) e centro do estudo (hospital).

Anticoagulação precoce foi feita em até 48 horas se tamanho do infarto era menor ou moderado ou entre 6-7 dias com infartos maiores. Já a terapêutica “tardia” foi definida como aquela iniciada em 3-4 dias após AVE menor, 7 dias no moderado e 13-14 dias no maior.

O desfecho principal analisado foi novo evento cardiovascular ou sangramento intra ou extracraniano em até 30 dias. Secundariamente, analisou-se estes eventos mais a escala de Rankin em 30 ou 90 dias.

 



A população incluída tinha em média 77 anos, majoritariamente da Europa central e Reino Unido. Dois terços tinham HAS, um sexto tinham diabetes e cerca de 18% teve AIT ou AVE previamente. O risco de recorrência de AVE era alto (CHADS-Vasc score médio 5 pontos). O escore NIHSS médio foi 5 pontos na admissão e quase 40% recebeu trombólise e/ou trombectomia como tratamento imediato. Para cada 3 casos de AVE menor ou moderado, havia 1 caso de AVE maior.

A incidência de novo evento em 30 dias foi 2,9% no grupo de anticoagulação precoce e 4,1% no tardio. A diferença não alcançou diferença estatística, porque o intervalo de confiança da diferença ajustada ultrapassou a unidade, mas houve tendência a resultados melhores no grupo precoce, principalmente em 90 dias. Na verdade, a maior diferença é na recorrência de isquemia cerebral, porque a taxa de sangramento significativo é praticamente igual (0,2 a 0,5%). A funcionalidade (Rankin) e a mortalidade por qualquer razão também foram semelhantes nos 2 grupos.

Conclui-se que a terapia iniciada de forma precoce é relativamente segura e não é pior que a terapia realizada da forma tradicional, talvez com discreta superioridade em relação à recorrência da isquemia cerebral.


O segundo estudo foi avaliar se basta fazer terapia antiplaquetária em pacientes com AVCi menor (NIHSS menor ou igual a 5 pontos), versus manter conduta de trombólise.

Foi estudo multicêntrico (38 hospitais) e randomizado, com 760 pacientes, que chegaram a tempo de usar terapia trombolítica no hospital (4,5 horas). Pacientes no braço antiplaquetários receberam dose de ataque de clopidogrel 300 mg no 1o dia e 75 mg por dia por 12 dias + aspirina 100 mg por dia também por 12 dias. O principal desfecho foi a boa funcionalidade em 90 dias (mRS score 0-1 ponto).

Diante da pouca perda em follow-up (n=75 pacientes, cerca de 10%), os grupos foram muito semelhantes. A funcionalidade em 90 dias foi de ~ 94% no grupo antiplaquetários e ~91% no grupo rtPA, sem diferença estatística. Sangramento intracraniano ocorreu em 0,3% e 0,9%, respectivamente (também com p valor alto); mas sangramentos diversos ocorreram mais frequentemente no grupo de rtPA(5,4% vs 1,6% com antiplaquetários). 

Há algumas limitações, como a taxa de 20% de “crossover” entre os grupos, mas o ajuste da análise estatística manteve o principal resultado de não-inferioridade. Outro ponto de atenção é que não se conseguiu a análise imagem (angioTC ou angioRM) de vasos de todos os pacientes, e aqueles com AVCi menor mas grande vaso obstruído podem se beneficiar mais de trombólise. Portanto, fica a ponderação de analisar estudo de vasos para cravar a decisão de não fazer rtPA em pacientes com AVCi menor. Um último ponto limitante foi a exclusão de AVCi cardioembólico, que é cerca de 20-30% dos casos e limita a generalização dos resultados.


Referências:

- Fischer U, Koga M, Strbian D, et al. Early versus Later Anticoagulation for Stroke with Atrial Fibrillation. N Engl J Med 2023; 388(26):2411-21.

- Chen HS, Cui Y, Zhou ZH, et al. Dual Antiplatelet Therapy vs Alteplase for Patients With Minor Nondisabling Acute Ischemic Stroke: The ARAMIS Randomized Clinical Trial. JAMA 2023; 329(24):2135-44.

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