A pandemia de Covid-19 ofuscou muitas coisas que surgiram durante o período de 2020 a 2022. Prestamos atenção no atendimento desta doença viral, que causou sepse muitas vezes, mas o guia da Surviving Sepsis Campaign foi revisado (com 1 ano de atraso) e publicado. Vamos analisar algumas novidades e alterações das recomendações, em relação à última versão de 2016 (baesado na referência abaixo e opiniões próprias).
Houve maior inclusão de experts ao redor do mundo ! Foram 60 espalhados por 22 países, descentralizando as decisões que era o “standard” anteriormente. Ex-pacientes e familiares também foram representados, com a participação de 11 leigos;
A maior novidade foi a seção sobre recuperação e prognóstico a longo prazo. Embora as principais medidas são aquelas que devem ser realizadas nas primeiras 1-3 horas de atendimento, houve ênfase na necessidade de cuidados após a fase mais aguda, com recomendação de follow-up, suporte social e financeiro, reabilitação funcional e psicológica e atenção para medidas que evitem reinternações (que são frequentes nesta população = 1 em cada 3 pacientes procura emergência após alta hospitalar em 30 dias pós-alta e 1 em 6 pacientes volta a internar também em 1 mês). Mas todas estas medidas ainda não foram mensuradas em relação à sua eficácia e/ou redução de morbi-mortalidade;
Total de recomendações = 93; apenas 15 com grau forte de evidências; outras 15 são opiniões de “melhor prática”; 9 de NÃO recomendações (seria melhor dizer contraindicações); e o restante são recomendações fracas, nas quais subentende-se que você pode ou não acatar;
Uma “não-recomendação” foi o uso do escore simples de qSOFA para estratégia única de screening/triagem de pacientes, principalmente em emergências; nem sensibilidade nem especificidade são relevantes, principalmente quando se compara com outros escores de avaliação de pacientes sépticos, como MEWS, NEWS e outros escores que abrangem mais sinais vitais e oxigenação;
A reposição de líquidos também é menos valorizada hoje em dia; a quantidade de 30 ml/kg (cerca de 2 litros num paciente adulto) pode eventualmente aumentar morbidade, principalmente em cardiopatas e nefropatas crônicos;
O debate cristaloide versus coloide parece “demodé”: cristaloides são unanimidade, com preferência duvidosa para soluções equilibradas com menos sódio e cloro (ex. Ringer lactato). Mais 1 contraindicação é usar amidos ou gelatinas como reposição volêmica. O uso de albumina é recomendado quando já se fez muito líquido cristaloide (mas ninguém diz o quanto é muito…);
O exame clínico de enchimento capilar periférico é útil e semelhante ao uso de lactato sérico seriado para monitorar o tratamento (mas o efeito é marginalmente melhor para o exame clínico… p valor de 0,06; a clínica é soberana!);
Administrar o antibiótico em 1 hora após a apresentação continua fortemente recomendada para doentes com choque, mas pode ser em até 3 horas se não é choque séptico (cabe fazer diagnóstico diferencial com outras causas de descompensação clínica ou pacientes com infecção sem sepse). Mas na prática, aumentar a variabilidade de condutas pode confundir a equipe e afrouxar o protocolo. Na verdade, o paciente com infecção, mesmo sem sepse, precisará de antibiótico igualmente; melhor que seja precocemente. Por outro lado, pode haver um certo desperdício de uso de antibióticos e todos temem aumento de resistência antimicrobiana;
O dogma que vasopressor só pode ser feito em acesso venoso profundo agora tem uma janela de exceção de 4 a 6 horas, e não se atrasa o tratamento de um paciente com choque e hipoperfusão periférica e precisa de noradrenalina (1a opção) em acesso periférico;
Corticoide: se mantém como opção para reduzir tempo de uso de vasopressor, mas não é obrigatório;
Vitamina C: finalmente acabou esta discussão com estudos clínicos de resultado negativo, ou seja, é apenas uma vitamina e não interfere no prognóstico.
Referências:
Prescott HC, Ostermann M. What is new and different in the 2021 Surviving Sepsis Campaign guidelines. Med Klinic 2023, https://doi.org/10.1007/s00063-023-01028-5.
Chang DW, Tseng CH, Shapiro MF. Rehospitalizations Following Sepsis: Common and Costly. Crit Care Med 2015; 43(10):2085–93.
Jones TK, Fuchs BD, Small DS, et al. Post–Acute Care Use and Hospital Readmission after Sepsis. Ann Am Thorac Soc. 2015; 12(6): 904–13.
Hernandez G, Ospina-Tascon G, Damiani LP, et al. Effect of a Resuscitation Strategy Targeting Peripheral Perfusion Status vs Serum Lactate Levels on 28-Day Mortality Among Patients With Septic Shock: The ANDROMEDA-SHOCK Randomized Clinical Trial. JAMA 2019;321(7): 654-64.
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