Título: Red Blood Cell Transfusion in the Intensive Care Unit.
Autores: Raasveld SJ, Bruin S, Reuland MC, et al for the InPUT Study Group. JAMA, published online October 12, 2023. doi:10.1001/jama.2023.20737.
Motivação para o trabalho: verificar a prática de gatilhos para indicar transfusão de hemácias após mais de 20 anos de trabalhos com estratégia restritiva (Hebert et al, 1999).
Métodos: coorte prospectiva, multicêntrica - 30 países, 233 UTIs, 3643 pacientes; a coleta de dados ocorreu durante 16 semanas consecutivas nas UTIs, entre 2019 e 2022 (períodos não concorrentes em diferentes hospitais, por causa do efeito assincrônico da pandemia de Covid-19 nos diversos continentes).
Resultados: 1 em cada 4 pacientes recebeu transfusão de hemácias, com média de 2 unidades por paciente; pacientes transfundidos eram mais graves, com maior uso de ventilação mecânica, com choque ou em período pós-operatório; a heterogeneidade entre unidades foi enorme (22 UTIs não reportaram nenhuma transfusão, enquanto 14 UTIs fizeram transfusão em 100% dos pacientes internados); o motivo para transfusão mais frequente foi o nível de Hb (média de 7,4 g/dL); a hipotensão foi o fator fisiológico mais incitante (42%), seguido de taquicardia (27%) e hiperlactatemia (18%); mais de 80% dos pacientes transfundidos tinham nível de Hb maior que 7 g/dL no dia da transfusão.
Figuras / Tabelas para colocar na aula
Qual é a lição? Poucas mudanças ocorreram após estudos do início da década de 2000. Estudos CRIT (americano) e ABC (europeu), que são de quase 20 anos atrás, obtiveram resultados semelhantes, principalmente no nível crítico de Hb pré transfusional (8,4 e 8,6, respectivamente); o estudo atual apontou para limiar 1 g/dL menor. Eu considero este fato uma discreta evolução frente às evidências já estabelecidas da estratégia restritiva de transfusão. Um fato novo é a demonstração da grande heterogeneidade de condutas entre UTIs, simbolizando uma regionalidade na hora de prescrever transfusão de hemácias: houve lugares onde não houve transfusão durante as semanas de estudo, enquanto se transfundiu quase todos os pacientes selecionados para estudo em outras unidades. Nota-se que alterações fisiológicas como hipotensão ou taquicardia também influenciam a decisão de transfundir, mesmo que o nível de Hb ainda seja maior que 7 g/dL. Cerca de 16% dos episódios de transfusão foram motivados por hiperlactatemia, que foi mais proeminente na América do Sul (maioria do Equador) - mas foram apenas algumas dezenas de pacientes, e pode refletir um comportamento local, que não é disseminada no nosso continente.
Take-home messages
Transfusão de hemácias são realizadas em pacientes mais graves na UTI, preponderante em associação com choque, período em pós-operatório ou uso de ventilação mecânica;
Pacientes apresentam em média Hb 7,4 g/dL antes da transfusão, recebem em média 2 unidades de hemácias durante permanência na UTI;
As indicações de transfusão são: níveis criticamente reduzidos de Hb (há muita variabilidade entre as UTIs), sangramento ativo e instabilidade hemodinâmica; os pacientes apresentam alterações fisiológicas, como hipotensão e taquicardia, em 60% dos episódios;
Quase 40% dos episódios têm alguma indicação de transfusão, mas sem alterações fisiológicas significativas; somente 17% dos episódios estavam abaixo do patamar de estratégia restritiva da literatura (menor que 7 g/dL).